30.7.06

o velho tempo perdido

Sentado no sofá do pequeno apartamento que lhe restou, em frente à tevê, o velhinho de Minas pergunta à esposa, moçoila dos seus quarenta e poucos anos:
- Amor, tem doce de leite?
- Claro, meu docinho.
Levanta e caminha lentamente à geladeira.
- Amor, aquele pesseguinho em calda não tem mais?
- Não, meu docinho, já se foi. Aos poucos se acabou.
Fecha a geladeira, volta à tevê. O velho elefante repousa, diante do cemitério.
- Amor, estou com fome. Será que não tem uma maçãzinha pra mim comer?
- Mas você não pegou doce de leite na geladeira?
- Tem doce de leite na geladeira? Ára! Vou comer um pouco.
Levanta e caminha lentamente à geladeira.
- Amor, aquele pesseguinho em calda, não tem mais?
Uma gota de sal sobre um rosto arrependido.
- Meu docinho, está na hora de dormir.
Devagar o velhinho vai pro quarto. Toma seu remédio pra memória e deita-se. Entre os lençóis, sente saudades do que não se lembra bem.
O mundo girou. A lua sumiu. O velho ficou.
- Amor, tem doce de leite pro café da manhã?
- Claro, meu docinho. Nesta casa, doce nunca acaba...

2 Comments:

Blogger Eduardo said...

Gostei de como tratou do tema, sem rebeldia ou melancolia exacerbada, mas com um prosaismo bem sutil e poético. Mas esse prosaismo não revela uma pobreza, pelo contrario há o uso de "figuras" e apropriações interessantes: "Uma gota de sal sobre um rosto arrependido." "O velho elefante repousa, diante do cemitério.
". A midia como agente funebre é interessante, adquiri uma aurea campestre, de ibitinga até, dos velhinhos que se definham graciosamente em frente a tv. Sutileza poética e acima de tudo maturidade.

9:49 da tarde  
Blogger Eduardo said...

Este comentário foi removido por um gestor do blogue.

9:49 da tarde  

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