13.2.07

a falta

Ainda perguntavam-se como aquilo aconteceu. Por que o pobre garoto estava lá, com os braços cruzados sobre o peito? Quem no mundo julgava tal barbaridade? Tias e tios de toda parte apareceram. Presentes, amigos e amigas prestavam homenagem. A rua inteira foi até o velório.


- Viu só que desastre? Como justo ele, meu vizinho, o João? Comé que pode uma coisa dessas? Tanta vida pela frente. Ah... meu Deus... Que tragédia...


Na direita do pobre caixão, o pai. Mão na cabeça, olhava baixo. Os olhos úmidos. Via o filho, ali, desvivido. Chorava de pouco-em-pouco. Escutava os comentários ao redor como quem já sabia os porquês. Se tivesse aceitado...


- Ai! Me contaram. Nem acreditei. Cadê o corpo? Quero vê como tá. Tão moço, bonito. Disseram que brigou com o pai ontem...


A mãe, sentada à beira da sala, recebia pêsames de parentes, amigos e alguns desconhecidos. De vez em quando, olhava com rabo-de-olho pras poucas flores num vaso em cima da mesa. Eram a coisa mais viva ali.


- Como é que pode um moço tão bonito? Moço bonito não devia de morrer assim. Podia de qualquer forma, menos essa. Filho único ainda...


Logo carregariam o corpo pro seu fim. O pai, o primo, o tio e o padrinho. Orgulhosos, levaram-no dali pra gaveta (os cemitérios urbanizaram-se hoje em dia). Sem terra, enterraram-no.


- Coitado. Com um tiro na boca? Nossa Senhora.... Tem que ser corajoso... Coitada da família. Deus me livre... Suicida vai pro inferno, ainda mais ele: disseram que era meio afeminado...


De volta à casa, o pai procurou uma foto do filho. No outro dia, bem cedinho, compraria o primeiro porta-retrato daquele lar. A mãe foi para o quarto do garoto. Procurou seus cadernos para finalmente conhecê-lo melhor. Descobriu tudo o que já sabia e não quis saber. Nunca amaram tanto Joãozinho como naquele instante, e Joãzinho nunca foi tão feliz.