19.4.08

Mundo oculto e mundo esclarecido: porque o jornalismo é uma ciência

Em seu livro sobre teorias do jornalismo, Felipe Pena defende que a natureza deste ofício está na busca pelo desconhecido. Encontrar coisas novas e reportá-las, segundo o autor, é uma maneira de se sentir mais seguro perante o abismo de trevas que nos rodeia. Foi para combater estas trevas que instrumentos como as caravelas, as lunetas e os microscópios foram inventados. Conhecer o mundo seria uma espécie de instinto que possuímos para equilibrar o medo de um mundo oculto.

É preciso levantar uma questão para depois esclarecê-la: será mesmo que temos tanto medo assim do desconhecido?; será mesmo que abrimos o jornal todo dia de manhã porque queremos nos proteger de um mundo que não conhecíamos até ontem?; será mesmo que o jornalismo nos traz mais esclarecimentos que dúvidas?

Já que Felipe Pena trata do tema da "natureza do jornalismo", então vamos buscar nossa resposta na antropologia, ciência que possui certa familiaridade com esta noção de "homem natural". Ao ler um autor como Claude Lévi-Satrauss, entenderemos que todas as sociedades até então conhecidas possuem desejo pelo conhecimento. O antropólogo francês cita, em seu livro O Pensamento Selvagem, uma série de dados sobre a ciência dos homens que chamamos, ingenuamente, de primitivos: alguns esquimós, por exemplo, conseguem distinguir mais de 20 tipos de tonalidades diferentes das radiações que a nossa sociedade chama de "branco"; há tribos da américa que possuem vocabulários suficientes para dar conta de mais de 800 espécies de seres vivos entre animais e vegetais. A hipótese de que esse conhecimento tenha-se criado a partir de necessidades alimentícias ou econômicas é refutada logo de início por Lévi-Strauss: ora, seria humanemente impossível afirmar que uma tribo qualquer diferencia 20 tipos de branco ou 800 tipos de seres vivos porque precisa disso tudo para sobreviver.

Parece que, tanto quanto nós, os "selvagens" constróem sua ciência sobre um mesmo pilar: a simples curiosidade. Ora, é um absurdo dizer que a curiosidade deve ser entendida como a vontade de esclarecer o desconhecido justamente porque temos medo dele. Se o fosse, o homem contentaria-se em conhecer aquilo que precisa e não aquilo que está além de suas necessidades; se o fosse, saberíamos, praticamente, apenas o nome dos alimentos que consumimos. O homem curioso não descobre a realidade oculta porque tem medo dela; muito pelo contrário, ele cria e recria o mundo oculto porque deseja possuí-lo. É de uma incoerência infantil dizer que o homem busca aquilo que tem medo, como se uma aracnofóbica tivesse tendências a estudar aranhas.

Desde que as ciências nasceram e criaram suas verdades, houve o esforço incessante de duvidar, de refutar, de questionar. Tanto o é que as verdades de hoje não são as mesmas dos dias anteriores; tanto o é que criamos uma série de espíritos, mitos e religiões para povoar nosso imaginário com coisas oculta - e sempre gostamos disso.

Já que Felipe Pena quer falar da "natureza" do jornalismo, então vamos aqui afirmar que, caso exista, ela não é tão diferente da "natureza" das ciências. Afinal, ambas as atividades possuem o mesmo objetivo: buscar, codificar, criar e recriar verdades. Por isso, não podemos afirmar que o jornalismo nos esclarece o mundo porque temos medo do desconhecido; antes, ele nos oferece, todos os dias, a oportunidade de satisfazer nosso desejo de conhecer as coisas ocultas que tanto desejamos. O jornal deve ser entendido não como aquilo que nos tira as dúvidas e nos esclarece o mund, mas sim como aquele que nos coloca ainda mais frente a novas dúvidas e ao mundo das sombras.

1 Comments:

Blogger Mura said...

Concordo com a afirmação de o que o jornal deve ser. Porém é triste lembrar que o deconforto do desconhecido é muito piro que a banalidade cotidiana da tabela do campeonato. O jornal ainda é visto pela maioria como um sanduíche microondas que deve, em cinco, quinze ou vinte minutos, dar a gordura necessária pra se continuar vivendo na paz e no conforto.

10:22 da tarde  

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