10.12.08

Sobre a desonra de não mentir a si mesmo (Sucrilhos)

A verdade é uma
mentira que deu certo. Não
se espera muito
dela quando já se
sabe; é quando
os tambores mais
tribais
revelam os sons
mais suaves
que nós entendemos
as coisas.

Hoje há um certo lirismo no
ar de que não se pode
fugir. Não é fácil
tanto quanto
parece; as coisas
morreram, e nós medimos sua pressão
e conferimos seu pulso, toda
a noite antes de
dormir.

A verdade, esse direito de
mentir: a esperança.

As pessoas morrem. Suas mentiras
são seu novo
tempo. A verdade
é uma mentira
que deu certo.

Quando os olhos dela cruzam com os teus
e uma gota do teu suor escorre
por entre os seios dela,
no fundo aquilo foi
o direito de
mentir. No fundo,
suar é uma mentira.

Não ser hipócrita
é mentir ao tempo.

O lixo cheira a mentira. As coisas
acabam, seus amigos acabam, não
há como evitar. E é bonito
que eles tenham
morrido com
o pescoço amarrado
num cipó.

Eu aposto que todas as apunhaladas
que você já levou
nas costas foram
uma grande mentira. Eu aposto
que elas sempre foram uma
mentira. Quem corre nu
ao som de tambores na floresta
só mente à floresta.

Meu coração é uma selva cheia de mentiras.
Domá-las é a maior mentira de todas.
Eu não minto se não penso; pensar nisso é minha desonra.

Nem eu sei me desvincilhar
dos cipós, ainda que o faça
sem querer
quando acordo com fome
todo dia e molho a tijela de
cereais com
o leite trivial
de uma caixinha.