6.4.07

A prova cabal de que sou macho pra caralho: bati o carro do meu pai no muro a 160Km/h só pra mostrar pros meus amigos o quanto eu era foda. O coma é uma sensação legal, cara! É como se você não sentisse, saca? Eu me sinto bem aqui onde estou. Não me refiro ao hospital - o provável hospital - onde me encontro. Tô falando disso: o universo paralelo. Aqui é muito bizarro. Ontem mesmo estava caminhando na rua e o espaço-tempo abriu: encontrei o Rodôrfo Bôbo empinando a mobilete na frente de casa - não era bem a minha casa, mas me soava familiar. O Cobra Brasileiro deu uns tiros no Rodôrfo Bôbo, porque... bem, essa deve ser a lei daqui, saca? Sei que a mobilete caiu e o Rodôrfo abriu um sorriso. "Filho da puta", foi o que ele gritou! Foi incrível: o cara era reprimido sexualmente até ontem de manhã, não falava palavrão nenhum. A coisa mais pesada que ouvi da boca dele, até ontem, foi "cocô". Aliás, cocô era toda vida dele. A única mulher que ele beijou na vida foi a Sharon Stone, e em pensamento! Sabe? Vê-lo andando de mobilete, empinando, sendo baleado, xingando meu pai... essas coisas me deixaram feliz pra caralho! Afinal, enfim a felicidade chega pras pessoas! Ele merece, cara! Rodôrfo Bobo é um cara que merece toda a alegria do mundo neste universo paralelo! Vou até chamá-lo pra tomar uma comigo qualquer dia. Aliás, foi tomando uma ontem que encontrei minha mãe no boteco. Ela tava lá chorando, esgoelando, desfalecendo... o primeiro porre a gente nunca esquece. Ela tava lá reclamando da mãe dela, que tinha morrido e nem deixou um cartão de despedida. A velha história... "mamãe se foi de repente, o coração pifou... o coraçãozinho dela não gostava de mim, senão não teria morrido... por que, porra? por que o mundo é assim? que que eu fiz pra você, mamãe?". Dessa mágoa da morte da vó eu já sabia, mas ver mamãe assim, bêbada, aos prantos, falando daquela maneira, escancarando as dores, xingando... aquilo tudo era foda pra caralho! Eu aproveitei meu íntimo momento de felicidade e falei pra ela: "Mãe, que vergonha! Você tá decadente! Olha só, falando palavrão! Isso não é bonito...". E, pro meu espanto, que ela virou e respondeu: "Vá tomar no seu cu, moleque! Você enfiou o carro no muro, tá aê em coma no hospital porque queria dar uma de macho, de gostoso, e beijou o muro, gastou um monte de gasolina... imagina quanto não vai ficar pra arrumar esse carro, seu idiota!". Foi bem aí que eu a reconheci: nem no universo paralelo ela deixaria de se preocupar com o maldito dinheiro. Era estranho, porque aqui parece que ninguém gasta com porra nenhuma. A bem da verdade, parece que tudo aqui é de graça. Porra! Será que esse é o paraíso? Dá pra tomar Uísque caro de graça! Porra, tomara que eu nunca acorde! Vou poder comer carne de avestruz e de bacalhau sem pagar 60 reais o quilo, e não terei que ouvir meu irmão gritando "CENTRO E CINCOENTA" na minha orelha. Se pá, vou comprar uma moto e cruzar o Brasil... é tão legal isso de estar no universo paralelo e conseguir viajar o Brasil. É como se as paralelas se cruzassem, saca? Pior que isso é foda... me lembra a Malu, a velha e boa professora de matemática do terceiro colegial, que disse uma vez: "na matemática do colégio vocês aprendem tudo errado... quando alguns entrarem na faculdade, vão aprender que as paralelas se cruzam...". E eu até pensei na hora "porra, que pira muito lôca! essa Malu fuma muita maconha". E ela fumava, eu sabia. Quem sabe não a encontro aqui e digo o quanto estou feliz em saber que as paralelas se cruzam, que não dá pra ficar tudo assim separado, que o caos é uma coisa legal, que eu adoro o cachorro-quente do Popey - mais conhecido como azedão, o único que você compra e ganha de brinde uma azia. Pô!, que saudade do azedão! Por onde anda o garçom do Popey? Aquele cara merecia a vida eterna. Tem gente que não devia morrer mesmo. Tem gente que devia arrancar o câncer do estômago com a mão e comê-lo no almoço com polenta e cenouras. Tem gente que deveria ter todas as facilidades do mundo servidas na mesa. Porra, tem gente que merecia esse universo paralelo no mundo real! Tem gente que merecia ser o Bon Jovi, correr pelado na rua, fumar maconha, mascar chiclete todo dia, não ter cáries, andar de carro, pular muro, tocar violão, gritar pra caralho no show do Russel Allen... Sabe... Todo mundo deveria ser o Johnny Cash... Puta que pariu! Se eu acordar, vou ser o Johnny Cash! Boa idéia, Deus! Boa idéia! Assim todos me amarão! Todos! E eu poderei ser um cavaleiro muito doidão montado num unicórnio muito lôco... Cara, como eu queria que tudo isso continuasse... Cansei de ser proletário! Mordam-se, seus burguesinhos de merda! Eu bati o carro do meu pai e enfie a vida no meu cu! Ele tá chorando! Que gayzinho! Homem não chora! Eu sim que sou macho pra caralho! Eu sou a prova cabal do canibalismo! E parem de enfiar essa agulha no meu braço, seus médicos filhos duma puta... chega desse sorinho maldito! Hm... mas que enfermeira gostosa........ saudades da cocaína...


*Che Bolívar Pinochet - o proletariado burguês sob influência de drogas
com auxílio intelectual de um carro novo, a morte de Jesus Cristo e "Keep the Faith" do Bon Jovi