21.7.08

O rabo do burro

Chega um dia em que a gente percebe que continuar não dá. Você olha pra trás e quer voltar, desesperadamente, quer teus amigos de volta, quer aquele velho cheiro de cerveja universitária que paira como neblina na fria imagem da tua memória. Você olha pro lado e a porta do quarto é sempre uma entrada cercada de paredes, nunca uma saída para o jardim; tua casa é uma caixa, tua tevê é uma janela tampada por espelhos. Não há mais caminho a percorrer, e se há algum é uma mata virgem, tão virgem quanto você era antes de sentir na pele o arrepio do teu primeiro beijo, do teu primeiro abraço, o medo que precede teu primeiro orgasmo, o toque duma mão fria no calor do entre-pernas. A velha frase de Gullar nunca fez tanto sentido : "caminhos não há, mas os pés sobre a grama os inventarão". Algumas lágrimas escorrem de vez em quando (mas de onde?, de onde?), e você quer correr, mas não há jardim com grama macia, nem o útero quente de tua mãe. A saudade quer que você volte, mas a vida é uma corrida, e em corridas não se engata a marcha a ré.

Apesar de tudo, eu queria que a gente sorrisse, que a gente se desse essa chance; eu queria que tudo o que passou fosse só uma piada mal contada, e que daqui em diante não fosse necessário planejarmos a humana arquitetura dos edifícios de carne, o urbanismo dos sentimentos, quadriculados de ruas e avenidas que desembocam no coração; que a gente risse como ibecís com o gosto selvagem do futuro sangrando em nossas bocas; eu queria que a gente ficasse com os olhos vedados enquanto brincamos de ser gente grande e tentamos, como crianças bestas em festa de aniversário, encaixar o rabo no desenho do burro.