16.11.07

a foz do mundo

Fecho
os olhos e não vejo mais nada em
meu caminho: tudo
parece ter acabado nesses dias
sem rumo da juventude:

é o fim.

Por dentro,
sinto-me este monte de água caindo, sou
pedaço de minha época de niilismo, a foz
do mundo, a vida escorrendo
pela Garganta do Diabo. Mas abro os
olhos e vejo meus livros espalhados pelo
chão, sobre a mesa, ao lado
do computador, na cabeceira
da cama: Foucault, Caeiro,
Campos, Gullar, Russel,
Wittgenstein, palavrinhas
organizadas
em pedaços de papel irritantemente colocadas na ordem certa
,no lugar certo,
,com o tamanho certo
e proporção equilibrada para que a existência seja correta para todos
- mas
,talvez, não
para mim. Então fecho os olhos
de novo e vejo refletidas
em pálpebras esmagadas
as mesmas palavras em
outra ordem, viradas do
avesso, rasgada a pele, de entranhas ao
ar, girando em ruídos
de liquidificador, gritando um
eco desesperado em meu ouvido:
"não corte os pulsos nem limpe
o quarto, cara! essa
bagunça é bonita como há
de ser a vida!".

A desordem é bela
quando é
minha. Por dentro deste
quarto, meu cheiro
ruim é bom porque
me reconheço nele; o suor nasce
do meu sangue, mofa
minha parede e cheira azedo
como minha vida.

Mas se minha mãe vem aqui e muda um livro de lugar,
se ela empilha-os todos na estante por ordem alfabética,
aí meus pés
tropeçam no mundo, caio
num abismo
e tudo fica escuro e vazio de novo. Cuidado
com a ordem, garoto! Não
fique apenas repetindo discursos
como arara de palanque, ouvindo
indie rock colorido, escrevendo
sonetos alexandrinos... grite ruídos, sangre
a garganta com uma canção
gutural! Porque
o mundo todo é
sempre o mesmo, as mesmas
peças no quebra-cabeça,
mas aquela cabeça quebrada é
única, é só minha, e é só aqui, na desordem
do meu quarto - onde não há
superbonder suficiente para colar
tantos pedacinhos
de cérebro no mosaico
da parede craniana - que todo o
mundo fica bonito novamente,
uma nova luz se acende
para estilhaçar a monotonia,
a foz do mundo vira do avesso e
uma cachoeira de idéias
chove ao contrário,
rumo à imensidão
de um abismo azul
chamado
céu.