3.2.10

o caroço da ampulheta

Sórdidos, os dias beliscam o meu joelho,
o peso do mundo
é o peso do tempo; calcifica-se
em meus ossos
martela-me a jugular
estremeço de medo só de
pensar que morrerei jovem
ou que não
poderei mais ler
aquele livro
ou escrever
aquele poema,
que ainda espero;

o curso do mundo em minhas
veias, pedras em meus
rins, a areia
da ampulheta entalou
e abaixo dela
estamos nós, vivendo
impacientes sob
uma cascata de vazio;

tenho sonhos, como todos,
mas eles me arranham
o intestino e dizem
ao meu cérebro: "temos
fome de presente, a vida
é agora".

Mas como? eu com trinta
anos, cheio de rancor e mágoa,
destruído pela vingança
a única que me move desta cadeira
(sou um pedaço de ira,
quem sou eu por trás destes
olhos vermelhos e o pulmão
a exalar vapores mucosos
fumaças de morte
o ferro do sangue livre a voar)
ficarei sozinho em meu quarto
até que a estante me devore?
e debaixo dela eu permaneça,
ossos insistentes
e oásis de mau cheiro,
meu pequeno
paraíso onde sou tudo o que quero
só porque já morri
e não sou
mais nada?

Será isso o futuro:
preguiça de curar-me
e medo da morte?