16.3.10

Oh!, o pobre cão, velho e carcomido, destes que olham para todos os lados e se perguntam “onde, onde, onde é que estou, alguém me ajude...”, quase cego e quase surdo, sem um homem qualquer para guiá-lo dentro da mansão que é um jardim de fogo e tijolos em meio a grama recortada, margaridas tristes enfileiradas e manjericão e cebolinha ao pé de estátuas, quem diria que estaríamos ali, na verdade nem fomos convidados, chegamos entrando com a cara de pau e os nervos em curto, estômago de hipopótamo e pança de elefante, esguichando pelos narizes vapores de pobreza e palavras porcas que nos escapavam da boca!! Ah!, estes homens, dando a vida por trabalho, juntando pedras com as pontas dos dedos, colocando uma sobre a outra, cores estranhas e plantas infelizes espalhadas pela metamorfose de dinheiro chamada megalomania (estátuas clássicas, espelhos e quadros de paisagens mortas, desenhos coloridos em meio ao cheiro de picanha e porco assado e vinagrete, cerveja velha que esquenta nos copos, o suor do primo pobre que chega ali perguntando da costela) e dois médicos começam a conversar, armam alguma coisa para o futuro, planejam dominar o mundo, nada é suficiente, querem a mim e a você, seu fígado e intestino, o coração é deles e não da tua amada (ela que de tão longe talvez estivesse mais feliz, porque ela era do tamanho da sala, a quitinete do amigo, cheiro de cigarro, os gatos despenteados pulando por cima do seu ombro, miados e música de banjos clarinetes GARFOS E FACAS TILINTANDO a cerveja que já sai quente da geladeira e enche a caneca redonda, o colchão no chão lençóis abarrotados o suor encravado no algodão pequenos deuses caminhando pelo corredor as formigas e os gatos, cheiros do submundo que inundam tua narina ahhhhh!!! o que faço aqui no meio dos homens que tudo tem, menos o desejo sem limites de conquistar o desejo, vontade de vontade, pães quentes com manteiga na sua consciência) e as estátuas cochicham em meus ouvidos – TU! Homem de barba e chinelo, caminhando como um pequeno Deus na casa dos homens vitoriosos, desça teu olhar abaixo do horizonte que teu futuro fede a fracasso e discórdia, nunca terás o que este homem tem, uma estátua e um jardim de pedras que oprimem seu café da manhã, uma existência fadada à esbórnia, três maços de verdinhas atoladas no cu, oito homens musculosos te enrabando em troco de privilégios fiscais, a bolsa de valores debaixo do suvaco de tua esposa, batatas fritas à vontade e carne sangrando entre os dentes, carne de homens e de ovelhas, cobras e TATU-Periquito CRRRAAAAA CUUUUIIIAAAAAAAAAA BRRRRRIIIII, Tu olhas para o lado, vê essa brisa quente e vermelha que te cansa a vista e te faz pensar em onde tudo vai parar, por que não está em sua casa lendo um livro ou fodendo a mulher que ama?, os dedos em sua boca as mãos a segurá-la, o que fazes aqui, te pergunto também, pequeno ínfimo homem de pança cheia de cerveja e olhos vermelhos!?, volte para a casa e apodreça debaixo da poeira que se atola em teu pulmão – os objetos tem uma cifra e uma etiqueta, tua casa com dois olhos gigantes tem poucas paredes para os teus quadros, obras de arte, flores e jardineiras que te mordem as bolas e mastigam teus ovários... e o cão, ali, no meio de tudo isso, cinza e simpático, desentendido, a inocência de quem não quer pensar, olha pra mim, quer meu pedaço de carne, eu o dou, ele me presenteia com sua simplicidade, pequeno Nanquim, da linhagem dos Salsichas, olhos tristes de caramelo e a cabeça grisalha, irmão de Pirilampo, morto ainda criança, e Saracura, bacê lord de Cândido Mota, recanto dos cães e bicicletas e império dos seres que olham a rua e sabem que ela não dá para lugar algum, a vida é andar reto na calçada, esfolar os joelhos quando morrer de velhice e limpar o limo infiltrado no azulejo do banheiro; Nanquim, pequeno rei de um canino micro-universo, morava no umbigo de uma megalomania esquizofrência, vizinho a estatuas de um tempo passado que cheira a glória e enxofre, na floresta de cebolinha e paisagens mortas, se você já aí há quinze anos não sabe direito porque viver, você que caminha entre as pernas dos convidados que sei lá por que cargas d’água sentiam-se felizes ao conversarem futilidades, se você caminha sem saber por quê, quem dirá eu com meus chinelos fedorentos!