18.8.06

Menino bom

- Hei menino, você aí, que faz de bom? - Bah! Nada mesmo, diria qualquer garoto. Mas este, na verdade, devolveria uma resposta: - Senhor, mas o que que é bom? E o garoto recebia umas palmadas pela curiosidade. - Menino curioso quem pega é o bicho papão, que morde a cabeça e deixa cego. De tanto que amava os olhos, sentia medo. Seu pai costurou-lhe a boca com linha imaginária, – Quem cochicha o rabo espicha. Mas rabo num garoto de cinco anos seria motivo de intriga, guerra estelar entre gangues infantis. – Rabo é coisa de macaco, dizia o menino, e o pai ria, porque macaco mesmo são os homens pobres que vivem nas ruas. – Criança tem uma imaginação, não?... Quem me dera ser criança. Mas o velho falava da boca pra fora, porque com tanta gente fazendo baderna nas ruas, os adolescentes barulhentos, os anarquistas vagabundos... – Ah, no meu tempo não tinha tanto dessas coisas, essa juventude está perdida. Pai de pai é avô, não? Mas no fim, é tudo pai igual. – Menino pensa coisa boba, ainda bem que cresce. E a casa onde mora? É um picadeiro, cheio dos brinquedos, arminhas, motocas, carrinhos, bichinhos de pelúcia enjaulados – Gosta das mesmas coisas que eu gostava, pai, o menino é uma graça, deve de ser a tal da genética. – Que bom que é ser criança, não ter preocupações, não ter responsabilidades, não pensar nos verdadeiros problemas do mundo, ter desejos bobos. E, no ventre daquela mulher, alguma coisa crescia. – É menino ou menina? – Desconfio mesmo que é macaco, o menino até falaria, pra rir de felicidade inocente sem sentido, mas pensava no bicho papão. A mãe entrou na sala com uma bandeja, o cálice de vinho, penso e frágil, balançando. O menino já era alcoólatra, assassino, matador, banqueiro, dono da coca-cola, da fábrica de chocolate, tudo de brincadeira, que os pais brincavam juntos. Mas o vinho de verdade, que a mãe levava na bandeja, tinha um sabor de céus, estrelas, coisas lindas que a língua não alcança. Criança quer brincar de ser adulto mesmo. – Já rezou hoje? Tirou 10 na escola? Cuidado com a rua, menino, a cidade é perigosa, tem muita gente passando fome que quer te assaltar, matar, estuprar... – Mãe, mas... ... ... por que? E, mais uma vez, o bicho papão mordeu-lhe a cabeça e comeu-lhe os olhos, pelas costas.