22.8.10

Eu sou o Cristo reencontrado; sou seu
suor profano a limpar
a terra
devastada por DEUS:

FRINGEM os RASTROS
dos MORTOS e o
BÁLSAMO:

labriínto

NUNCA MAIS! NUNCA MAIS!

(então o passado não te assusta,
beijos esquecidos
e mortos sob seus pés
triturados como adubo
o estupro de Deus
que consagrou o Cristo
pelo falo de seus anjos
pelo amargo de seus sonhos
Útôpos, Sanctofringem

SERÁ SUOR E RANGER DE DENTES
SERÁ FOGO E CHAMA E FLAMA
E CHAGA E PREGO E MARIA MADALENA

(nós somos o texto profano
de um santo mundo
escrito
por Deus)

19.8.10

Relendo alguns poemas que escrevi há alguns anos atrás, me dei conta de que quase todos são detestáveis, por um único motivo: porque eu sei o que eu queria dizer com eles. Eles não me dizem nada, a não ser que agora sou um homem diferente. Estes poemas novos, eu não sei do que eles são feitos, eles olham para mim ameaçadoramente - querem me engolir, me mastigar em suas bocas negras, empurrar-me guela abaixo e digerir o pouco do que sobrou de mim.

É só passar uns dias preso em si mesmo, na solidão de quem precisa escrever, mas não consegue, que você começa a perceber que tudo o que escreveu nunca será bom o suficiente. Sempre faltará aquilo que, para quem escreve, é inacessível: o booooom, aquele estouro, aquilo que intriga.

Se me perguntassem o que quis dizer com esses poucos poemas dos últimos meses, não saberia responder, simplesmente porque não quis dizer nada. Não tenho pretensões quanto a ser um escritor, e estes poemas estão neste blog para apodrecerem... já é ridículo o suficiente escrever um texto falando disso agora.

Quanto mais você envelhece, mais percebe que não é suficiente para você mesmo. Esta angústia nunca vai fugir; de fato, é ela que nos move.

Antigamente eu guardava fotos, fazia questão de tirá-las sempre, com meus amigos, com minha família, nos lugares novos onde visitei. Hoje, me envergonham até estas fotos antigas que de mim só carregam o rosto... a verdade é que eu não quero nunca ser lembrado pelo que fiz ou deixei de fazer. Não sou herói, não cabe a mim ser um dia antiguidade - para falar do tema de Baudelaire.

Tenho uma aversão horrível pelo tempo e pela memória. Estes poemas são reflexos disso; antes, eu pensava que não-pensar seria o melhor para todos, e ficava tentando transformar meu pensamento em palavra contra o pensamento. Hoje, simplesmente não penso, não deixo rastros de mim pelo mundo.

A única coisa que me impele a escrever são estes fantasmas, que me rondam de madrugada... meu avô, meus velhos amigos, estes poemas horríveis, as pessoas que me odeiam. Eu escrevo para tirá-los de mim, e quando os vejo no papel eles voltam, cada vez maiores... e quanto mais escrevo sobre eles, mais me silencio, mais eles se transformam em silêncio.

Não há coisa mais devastora que o silêncio. Ele é a linguagem da morte. Não só porque mortos não falam, mas muito mais porque é impossível falar da morte. Benjamin estava certo quando disse que a melancolia vinha à tona sob a forma de uma fantasmagoria. É o espectro de um mundo devastado, em que a memória se esfacelou, e o futuro se tornou inalcanssável.

Eu sou o Anjo da História, preso ao catastrófico limite que é o presente.
Tantas noites lá longe surge a estrela;

(vem vem, me abraça, que a noite é densa
e o chão te engole
e o tempo mastiga teu corpo
e Deus te cospe
num outro mundo
num outro tempo)


Tenho uma vida inteira para escrever o grande poema.
Tenho uma vida inteira para escrever.
Tenho uma vida inteira.
Tenho uma vida inteira para perder.
Tenho uma vida inteira para morrer.
Tenho uma vida inteira para perder o grande poema.
Tenho uma vida inteira de morte pela frente.



EI VOCÊ, psiu.

A solidão me devora.

Pode você controlar a sua vida?
Pode você controlar as tuas idéias?

Eu olho pela janela: ele está lá, me persegue.
Mas é um prédio enorme, onde ele firma seus pés?

e então eu vejo o céu denso e negro
"onde vamos esta noite?"

ele então a beijou, olhou para mim
perguntei a ela: "você fez?"
ela disse sim
e eu não parei de chorar até que acordasse

(debaixo da cama, meus sonhos me devoram... um dia eu ficarei louco, eu sei)