18.2.10

Três mulheres

Ela só fez o que fez porque a levei para casa, o batom marcando o vestido que ela nem havia pago (e quem se importa pra onde foi o dinheiro, eu só tenho que pagar o aluguel!), deve haver alguém em quem confiemos, aqui, bem aqui nesta cidade, cheia de luzes, onde mulheres vivem vendendo carros, sendo grandes estrelas na noite, rezando para que tudo fique bem, (ela sempre tem uma luz nos olhos), uma, duas, três, quem sabe?, deve haver em quem se confie aqui nesta cidade, (é como se eu não falasse, não visse e não sentisse, três horas da madrugada)

Ah cara, eu acho que vou comprar pra mim uma rosa, talvez um chevrolet, tudo o que derrube os ossos e me faça ouvir o rádio: acelero na estrada e não olho pra trás depois que eu for embora, não olharei no retrovisor. Longe, longe, o eco dela no espelho, deve haver alguém em quem podemos confiar nesta terra.

Cody

Cody, velhas músicas que vão até o fim, músicas tristes, e não há do que ter medo. E o vento... ah... eu posso respirar melhor e me pergunto "devo me importar?". Ah, Cody, onde está você que não volta, éramos reis... quando tento andar no meio da noite, vejo as luzes da cidade me engolindo, e eu tento me mover para dentro destes sinais para ver se o mundo escapa... e velhas músicas permanecem até o fim, músicas tristes são tudo do que tenho medo... e o vento, eu não posso aguentá-lo, e me pergunto, Cody, "devo mesmo me importar?"...

velhas músicas me lembram velhos amigos, músicas tristes me lembram você.

com você, vivendo

I
Morando debaixo do sol
e das estrelas queimando
os teus beiços,
sinto certo, sinto bem

abra as mãos para o céu
porque os corações podem nos dar
as mãos, e a luz e a escuridão
todas juntas, e todo o resto
é pó.

Se você viesse sem saber,
sem lembrar que as estrelas
estão lá enquanto caímos, e é isso
que delas deve ser.

O que faz o som,
o que treme o chão, não é
maior que Deus?

Luzes abaixo, abra os braços
caindo
que o resto todo é
pó.


II
Venha abaixo, além das estrelas,
o sopro vazio de quem está só,
sentindo-se bem, sentindo-se
assim, o resto todo
está lá.

Coisas perfeitas sobraram, dobre
as mãos, que o mundo gira,
não somos escravos.

A LUZ E A ESCURIDÃO
OOOOOOHHHHHH
segure em minha mão
que o resto não
é nada.

III
Se nós viéssemos sem saber,
a cor dos olhos do céu enquanto caímos
(e será que deveríamos?)
o que nos prende ao chão,
muitas crianças tremendo o chão,
gigantes como Deus.

Corações cegos caminham por um campo
onde a luz e a escuridão
são como o mar e a terra
e o resto todo
não é mais que
pó.

IV
Mentindo além do sol,
e tudo o que resta é o cérebro,
sentindo bem, sentido certo, estando
lá, bem ali.

Coisas perfeitas sobraram, borboletas
são escravas.

Corações selvagens podem segurar
suas mãos, e nunca
os entenderemos.

A luz e a escuridão,
sobre o resto está
o pó.

V
Se nós viéssemos sem entender,
eu me lembro,
as estrelas caíram (e nós caímos)
e quando eles viraram e as crianças
cravaram os pés na terra, qualquer
criança pode fazer,
aquilo que treme o chão, não é
a mão de Deus?

QUE A LUZ E A SOMBRA
são como solitários
sobre o mar
e todo o resto,
foi-se embora.

3.2.10

SOCOS NA CAMA ME FIZERAM AS MÃOS SANGRAREM

A CABEÇA A ROLAR
deus deus meu
RARTURÁÇAS
Crack O pneumo-osso
de dentro
do NARIZ: SANGUE POR TODA
PARTE;

QUEM? O mundo
esgueirou-se RRRRRRRRRRR
RTRU brumindo
o céu a regurgitar
os Deuses da
boca dos abismos: SÓLON, FAUSTO, MARX

Diabos me mordam E ARRANQUEM MEUS MAMILOS
E PRENDAM-ME EM GANCHOS DE AÇOUGUE
E ME AÇOITEM POR TODA A NOITE
E ME LEVEM AMORDAÇADOS

que é só com a boca cheia
que a poesia nasce, e seu parto sangrento
e mucoso erguerá sobre a terra
os JOELHOS FIRMES e as raízes
são unhas:

QUERO um mundo de joelhos a mim
SOU pedaço de carne regurgitada por Deuses
COMO fezes em meu quarto
SANGRO como os pombos mortos pelas estradas
VIVO ao abraçar meus amigos com com facas afiadas
MORRO se não tiver em mim uma dor crônica

FRICÇÔES FREMIDOS FREIOS A DISCO
a palavra é o atrito do
sangue com a garganta É O VENTO
VERMELHO ESTENDIDO SOBRE AS MONTANHAS
é a terra rachando e cuspindo mágma
VRU-CRA-CREI
CRÂNIO

o som de cabeças explodindo na madrugada

e o choro longínquo dos manicômios

o caroço da ampulheta

Sórdidos, os dias beliscam o meu joelho,
o peso do mundo
é o peso do tempo; calcifica-se
em meus ossos
martela-me a jugular
estremeço de medo só de
pensar que morrerei jovem
ou que não
poderei mais ler
aquele livro
ou escrever
aquele poema,
que ainda espero;

o curso do mundo em minhas
veias, pedras em meus
rins, a areia
da ampulheta entalou
e abaixo dela
estamos nós, vivendo
impacientes sob
uma cascata de vazio;

tenho sonhos, como todos,
mas eles me arranham
o intestino e dizem
ao meu cérebro: "temos
fome de presente, a vida
é agora".

Mas como? eu com trinta
anos, cheio de rancor e mágoa,
destruído pela vingança
a única que me move desta cadeira
(sou um pedaço de ira,
quem sou eu por trás destes
olhos vermelhos e o pulmão
a exalar vapores mucosos
fumaças de morte
o ferro do sangue livre a voar)
ficarei sozinho em meu quarto
até que a estante me devore?
e debaixo dela eu permaneça,
ossos insistentes
e oásis de mau cheiro,
meu pequeno
paraíso onde sou tudo o que quero
só porque já morri
e não sou
mais nada?

Será isso o futuro:
preguiça de curar-me
e medo da morte?