20.3.10

E que eu, um homem solitário,
o que sei da vida? se
em outros lugares
não estive e se
outras vidas não vivi, e em mim
um coração cheio de mágoas
a caminhar pela trilha da fumaça
perspassando silêncios
caminhando sempre à frente
e sem olhar pra trás
mas sempre pensando lá
atrás, no que foi que eu
errei? serei o novo Kerouac?
talvez, nunca, talvez só
a morte me traga tudo isso
mas eu já estou morto, eu sei que estou
morto; desculpe, pai, por ter morrido
antes da hora, você
nunca entenderia,
você é meu herói, é o velho
cheio de amores no coração
é quem eu queria ser
ter metade da sua coragem
fugir de você
seria honrar você
mas não, estou aqui,
e a liberdade eu sei lá o que ela
é, só sei que não a tenho
gostaria de morrer mais um pouco
do que já estou morto

acho mesmo que ser livre é morrer,
sair por aí jogar os documentos
no lixo, tacar fogo nos manicômios
e sem um único fluido diferente
do teu sangue em teu sangue
dizer coisas malucas e escrever
o livro dos sonhos,
nunca lido;

um dia eu sumo da face da terra... mas
nesse dia eu já
estarei morto

AH! meu velho, como te amo
te amo loucamente
sei tudo sobre você
eu olho em seus olhos e vejo a morte
eu vejo as desgraças da vida
você me ensinou mais que
todos os filósofos, e eu não
sei como te dizer isso
e tudo o que eu disser em poemas
será inútil, será vazio,
porque nunca alcançarei o coração
do herói... só a vida
te alcança, meu velho, te amo
mais que tudo nesse mundo, quero
você por perto, mas quero estar
longe de você: queria ter
teus olhos machucados, o coração
cheio de espinhos e amor, transbordando
alegria, entendendo o mundo com
a simplicidade divina: Deus botou
seu filho na Terra, Cristo
morreu na cruz, mas não você
,meu velho,
você está aqui, ao meu lado,
paga minhas contas e me abraça em silêncio
e nada diz, mas eu sei o que
se passa aí dentro,
você é o personagem que todo romance queria,
mas nunca estará dentro de
um livro, você é maior que
o universo, é maior que o mundo,
é pequeno como as coisas que
passam desapercebidas mas
estão sempre ali nos apoiando,
café, suco, a brisa das magrugadas
é teu suspiro... em que mundo vivemos,
pai, este mundo
absurdo, onde eu nasci poeta
para que você não me compreendesse,
e você nasceu o herói
que nunca lerá literatura... em que mundo
vivemos, meu velho, em que as boas
pessoas matam e as más estão nos
matando, em que mundo meu velho? onde
você viverá? nem inteligente o suficiente
para ser herói, nem rico o suficiente
para ser destaque da revista,
mas grande o suficiente como a bondade
dos homens, e homen o suficiente
para ser bom.

AH MEU VELHO,
NÃO QUERO VIVER EM UM MUNDO SEM VOCÊ
PORQUE JÁ ME BASTA ESSE MUNDO
EM QUE TODAS AS PESSOAS NÃO SÃO VOCÊ
EU QUERIA QUE O MUNDO FOSSE BOM
UM LUGAR PARA VOCÊ MORAR
ME DESCULPE, MEU VELHO,
SE NÃO SOMOS BONS PARA
TE MERECER,
mas eu fiz o que pude,
e aqui estou, triste e sozinho...

... você sabe como te amo,
mas nunca entenderia.

16.3.10

Oh!, o pobre cão, velho e carcomido, destes que olham para todos os lados e se perguntam “onde, onde, onde é que estou, alguém me ajude...”, quase cego e quase surdo, sem um homem qualquer para guiá-lo dentro da mansão que é um jardim de fogo e tijolos em meio a grama recortada, margaridas tristes enfileiradas e manjericão e cebolinha ao pé de estátuas, quem diria que estaríamos ali, na verdade nem fomos convidados, chegamos entrando com a cara de pau e os nervos em curto, estômago de hipopótamo e pança de elefante, esguichando pelos narizes vapores de pobreza e palavras porcas que nos escapavam da boca!! Ah!, estes homens, dando a vida por trabalho, juntando pedras com as pontas dos dedos, colocando uma sobre a outra, cores estranhas e plantas infelizes espalhadas pela metamorfose de dinheiro chamada megalomania (estátuas clássicas, espelhos e quadros de paisagens mortas, desenhos coloridos em meio ao cheiro de picanha e porco assado e vinagrete, cerveja velha que esquenta nos copos, o suor do primo pobre que chega ali perguntando da costela) e dois médicos começam a conversar, armam alguma coisa para o futuro, planejam dominar o mundo, nada é suficiente, querem a mim e a você, seu fígado e intestino, o coração é deles e não da tua amada (ela que de tão longe talvez estivesse mais feliz, porque ela era do tamanho da sala, a quitinete do amigo, cheiro de cigarro, os gatos despenteados pulando por cima do seu ombro, miados e música de banjos clarinetes GARFOS E FACAS TILINTANDO a cerveja que já sai quente da geladeira e enche a caneca redonda, o colchão no chão lençóis abarrotados o suor encravado no algodão pequenos deuses caminhando pelo corredor as formigas e os gatos, cheiros do submundo que inundam tua narina ahhhhh!!! o que faço aqui no meio dos homens que tudo tem, menos o desejo sem limites de conquistar o desejo, vontade de vontade, pães quentes com manteiga na sua consciência) e as estátuas cochicham em meus ouvidos – TU! Homem de barba e chinelo, caminhando como um pequeno Deus na casa dos homens vitoriosos, desça teu olhar abaixo do horizonte que teu futuro fede a fracasso e discórdia, nunca terás o que este homem tem, uma estátua e um jardim de pedras que oprimem seu café da manhã, uma existência fadada à esbórnia, três maços de verdinhas atoladas no cu, oito homens musculosos te enrabando em troco de privilégios fiscais, a bolsa de valores debaixo do suvaco de tua esposa, batatas fritas à vontade e carne sangrando entre os dentes, carne de homens e de ovelhas, cobras e TATU-Periquito CRRRAAAAA CUUUUIIIAAAAAAAAAA BRRRRRIIIII, Tu olhas para o lado, vê essa brisa quente e vermelha que te cansa a vista e te faz pensar em onde tudo vai parar, por que não está em sua casa lendo um livro ou fodendo a mulher que ama?, os dedos em sua boca as mãos a segurá-la, o que fazes aqui, te pergunto também, pequeno ínfimo homem de pança cheia de cerveja e olhos vermelhos!?, volte para a casa e apodreça debaixo da poeira que se atola em teu pulmão – os objetos tem uma cifra e uma etiqueta, tua casa com dois olhos gigantes tem poucas paredes para os teus quadros, obras de arte, flores e jardineiras que te mordem as bolas e mastigam teus ovários... e o cão, ali, no meio de tudo isso, cinza e simpático, desentendido, a inocência de quem não quer pensar, olha pra mim, quer meu pedaço de carne, eu o dou, ele me presenteia com sua simplicidade, pequeno Nanquim, da linhagem dos Salsichas, olhos tristes de caramelo e a cabeça grisalha, irmão de Pirilampo, morto ainda criança, e Saracura, bacê lord de Cândido Mota, recanto dos cães e bicicletas e império dos seres que olham a rua e sabem que ela não dá para lugar algum, a vida é andar reto na calçada, esfolar os joelhos quando morrer de velhice e limpar o limo infiltrado no azulejo do banheiro; Nanquim, pequeno rei de um canino micro-universo, morava no umbigo de uma megalomania esquizofrência, vizinho a estatuas de um tempo passado que cheira a glória e enxofre, na floresta de cebolinha e paisagens mortas, se você já aí há quinze anos não sabe direito porque viver, você que caminha entre as pernas dos convidados que sei lá por que cargas d’água sentiam-se felizes ao conversarem futilidades, se você caminha sem saber por quê, quem dirá eu com meus chinelos fedorentos!