28.2.08

fluxo-correnteza

14.2.08

A flor da idade

Soldado,

morreste
com honra.

Teu velório
foi belo,

e as flores
da tua vida

,vencidas sobre o caixão,

deram-nas à tua mãe
os generais que
não sabem teu
nome.

Pena
,soldado,
não mais
sentires
o perfume
destas
flores.

11.2.08

O beijo na ferida

O sangue já encardido, três vezes por semana a filtragem no hospital da cidade vizinha. Só a ambulância para tirá-lo de sua posição costumeira: ah!, a velha e confortável cadeira de cordões de plástico! Em frente à rua pacata, conversava com o cachorro vira-lata para esbanjar o pouco tempo que lhe restava.

- De novo!? Quem foi que escarrou essa porquice na pia?

Na casa, só ele e a velha. Os vizinhos ouviam os gritos reclamões em três horários costumeiros: por volta das oito da matina, junto com o último galo; meio dia e meia, hora do almoço; sete da noite, a televisão sagrada.

- O inferno!, essa casa é o inferno! Olha o sangue seco na minha toalha branca! Por que você não morre duma vez?

Essa, a segunda esposa. A primeira, não lá das melhores, meio louca - as vizinhas sempre contavam a famosa história do batuque na panela com o pau de macarrão. Pra não ficar sozinho, o velho veio morar com esta, a antiga amante. Outra pinel: a eterna mania de limpeza!

- Nem pra você ter um câncer duma vez, imprestável!

A doença, mesmo, era o par de rins podres: a incansável espera por um doador. Depois da hemodiálise, o pênis velho e derrotado: coincidência, a partir daquele dia, o coração da velha tão sujo quanto aqueles cinco gramas de poeira escondidos debaixo do tapete?

- E se chama de homem ainda? Só teu rabo que funciona, imprestável!

Comia pouco, o apetite pálido como as próprias bochechas enrugadas - bom pra ela, menos fraldas pra trocar. Outro dia, o cachorro amigo lambendo a ferida da perna enquanto sentado na cadeira. Ela, a suspeita da vizinhança: com que força ele havia de trombar na quina da mesinha?

- Você quer meu sangue, velho, mas eu não te dou!

Setenta e oito anos, nenhum filho, nenhum neto. Os únicos três amigos, companheiros de caxeta que viajavam na ambulância. Costumavam jogar no banco tremido da Kombi, até que pararam por conta da visão cansada. A viagem de uma hora e meia, pequena aventura.

- Vai, velho, vai! Vai e fica por lá que vão te buscar com o caixão!

Mas não foi assim. Na quarta-feira, nove e pouco da manhã, o cachorro lambendo a feridinha da mão. Morreu sentado em frente à rua pacata, e só descobriram às duas da tarde, quando o vizinho da frente estranhou o excesso de sono.

- Velho? Velho? Responde, velho imprestável!

Um silêncio estranho tomou conta da casa. O carro negro veio buscar, e, sem pressa, colocaram-no na traseira. De lá, direto pro cemitério. O único velório, aquele beijo do cachorro.

- Velar pra que, meu senhor? Ninguém vai lá pra ver mesmo!

O coveiro e a velha observavam o caixão sendo coberto por terra: ali, de olho fixo pra garantir que nunca mais alguém sujaria a casa. Na cova, apenas uma cruzinha branca de madeira manchada de terra vermelha na base.

- Até tua cova é suja, velho nojento.

No outro dia cedinho, o rádio anunciou a morte de Antônio dos Lins Cardieiro, enterrado às pressas no Cemitério das Saudades. Antes de a ambulância levá-los para a hemodiálise, os três amigos da caxeta decidiram fazer a última homenagem. Ao lado da cruzinha suja de madeira, os dois únicos presentes: um vasinho de violetas de plástico cedido pela prefeitura, e o cãozinho deitado embaixo do sol com uma lágrima seca nos olhos.