26.6.07

Esquecimento

César abriu os braços com empolgação e gritou bem alto: “Voltei, pessoal!”.

José, Alberto e Wesley eram os três amigos adolescentes que o esperavam na frente do aeroporto. Olharam-no de cima pra baixo com o rosto cheio de espinhas e espanto: rodeado de malas, a pele alisada, a barba feita, o cabelo cortado, o corpo todo colorido por roupas estrangeiras, o semblante da alegria pendurado em seu nariz de palhaço: se fosse o mesmo, ainda seria outro.

- Pôxa, que saudade de vocês. Nossa, vocês não têm noção como senti falta de meus amigo nessa viagem. Eu conheci gente, mas nenhuma era tão especial quanto vocês! Nenhuma! Nossa, me bate uma coisa boa em ver vocês! Lembro das tantas vezes que saímos juntos, das piadas, das festas desses 8 anos em que nos conhecemos. Quanta saudade! É saudade demais, meu Deus!

Enquanto César caminha rapidamente para abraçar seus amigos, os três recuam: dois passos para traz: o passado despenca sobre nossas cabeças: desconfiança: uma rasteira que nos apunhala pelas costas.

Alberto tira da cintura o 3-8tão de seu pai e manda dois tiros na testa de César, que cai no chão em silêncio ensangüentado. Agora, uma pedra sorridente estendida no piso do aeroporto.

José acende um cigarro e caminha lentamente de volta para a casa. Wesley comenta com os dois enquanto come pipocas: “ele sempre foi um idiota, né?”. Alberto guarda a arma na cintura e responde: “o importante é que túmulos não são esquecidos”. Os outros dois concordam balançando a cabeça silenciosamente.

E o resto não se sabe: o futuro é esquecimento.

20.6.07

Meu pai, meu rei

Ver essa foto
de dez anos atrás me faz
sentir o gosto do passado: é como
enfiar a língua numa vagina
cheia de mousse de chocolate
com maracujá. Você olha
algumas fotos de natal
da família onde estão todos
comendo torta
de limão na casa do
teu padrinho e, com
aquele gosto enjoativo entre o doce
e o azedo por dentro do peito, você
pensa num instante: “caralho! que
saudade! parece que foi ontem.”

Depois tuas sinapses te levam às
boas lembranças dos heróis que
ficaram pra traz: Herzog, Che, Luther King,
John Lennon, Rocky Balboa, Conan (o bárbaro),
Jaspion, Jiraia, os Power Rangers com seus megazordes
e, por fim,
,lá no fundo da foto,
,te olhando bêbado com um sorriso bobo,
teu pai delegado e justiceiro:
aí você olha pra si mesmo no
presente e se pergunta “por que não
se fazem mais heróis como
antigamente?”.

É aí que aquele cheiro
de café torrado do passado infecta
tuas narinas e todos os
aromas doces se confundem com as
frutas podres do
teu futuro: você
não sabe se pára ou
se continua, se fica ou
se vai, se cresce ou
continua nessa vidinha de escrever poesia enquanto mama na têta do papai.

É pá-pum: te vem um
estalo, um instinto incontrolável:
“é, meu velho... é foda!”

E você
se toca que tem apenas
vinte anos de idade mas
já sente preguiça
de deixar filhos no mundo. Você
abdica da vida antes mesmo
de sentir o orgasmo que
vai fecundar a pançudinha que
tanto ama. Você percebe
que tudo virou do avesso quando seu pai olhou nos
teus olhos e disse: “filho, você
é meu herói”.

E isso vira uma angústia
incontrolável: papai vai ou não
chorar sobre teu
túmulo? qual é a ordem natural das
coisas? quem vai
poder chorar primeiro: o velho, com
seu coração entupido
bomba-relógio, ou você, capotando
na estrada a 150Km/h com
a ânsia de liberdade que
te corta no meio as entranhas adolescentes?

Sinto os pés descalços
no chão, olho pro calendário na parede
de casa e, sob a pressão
dos dias, concluo: “Quem
se importa? É inútil chorar sobre
túmulos: somos só os
fantasmas dos heróis que
não se fazem como
antigamente.”

17.6.07

Explosão de silêncios

I
O tempo rasga no
meio os barulhos
da cidade: é o toque
do efêmero
invadindo
a eternidade.

II
O fogo transforma
em cinza um circo
de silêncio – é o preço
imposto pelo
rio de magma
de um beijo.

III
O peito explode
por dentro como
o barulho de um
vulcão: é o magma
de teu sangue sob
o silêncio do
toque das mãos.

IV
Saliva que escorre
de um beijo, mar vermelho
entre as ondas de teus
seios – o corpo em brasa
se afoga em magma
de silêncio.

V
O sopro da
brisa dissipa
o fogo de um corpo
de terra – é a chuva
fria da madrugada
que cai sobre a
selva de pedra.

VI
O tempo se move
como um
sussurro que corre
no vento – o barulho
,quando explode,
ecoa em momentos
de silêncio.

9.6.07

A mulher que mais amei na vida

Deus, como pode tanta
beleza nesses cabelos
longos?, esses que escorrem
enrolados e despenteados
pelo longo
caminho do
teu pescocinho
torto? Ah!, e esses
peitinhos pontudos
meio de lado que apontam pra mim
dizendo “hey,amigo,
tateia-me se você quiser, vem
me pegar com a pontinha
dos dentes”.

Que coisa
linda é você, com a barriguinha
querendo saltar pra fora
da blusa– ah!, já pensou esbaldar-me
naquela pancinha como em
uma padaria
cheia de guloseimas? – e a anca parideira
que me faz pensar “quando
essa guria tiver uns quarenta,
vai ficar com
a bunda gigantescamente igual
àquelas tias gordas
que servem merenda”.

Pois o que eu queria mesmo
era entrar na frente
desse teu olhar sério de
moça direita e
mostrar todos os planos
que eu fiz
pra nós dois nessa
sexta-feira: vamos
sair à noite na pastelaria, encher a
cara com Balalaika e Sukita, beijar-nos
sob postes apagados da
pracinha João Abrão,
trepar no sofá novo da minha
mãe quando a casa
estiver sozinha, dormir abraçados
assistindo ao novo
filme do Rocky Balboa
e depois despedir-nos
dizendo “Te amei tanto
, mas tanto,
que eu te namoraria por longos dois dias
desse inverno de 2007”.

Ah, cherri, tudo seria
tão magicamente verdadeiro
quanto a tua beleza
de mulher que não
conheço, e tão efêmero como
o infinito amor que acabo de sentir por você
nesses três minutos da minha
porra de vida de merda,
ó deusa loira que compra
calcinhas nesta
loja de crediários
em Ibitinga.