23.9.09

as frestas da casa

Sinto falta daquela tua
velha ausência, ainda que
hoje ela seja
a única
coisa que
me reste.

Me sinto pequeno
sobre a imensidão
da minha
cama (tão triste ela
sem o lençol
vazando pelas
beiradas).

Às vezes acordo com saudade
daquela dor nas costas
de sextas-feiras,
de que eu tanto
reclamava.

Quando me cubro para dormir
nos fins de semana,
a tua ausência me raspa
a nuca com unhas
longas - e eu me
arrepio, um frio
na espinha
que vai direto
ao núcleo
da carne.

O vazio preenche
as frestras
de casa, (o vento
gelado passa por ela,
como um intruso).

Ontem coloquei o banquinho
encostado na porta da cozinha
com uma revista por cima
enquanto eu picava
cebolas. Tentei não chorar,
mas as cebolas foderam
com tudo...

16.9.09

Eu me sinto vazio como um
pote de torresmos conservados
na própria gordura, e triste como
o homem que corre
no meio do
canavial enquanto
seu coração
arde em chamas
entre a cinza e o açúcar
do seu passado.

Talvez seja isso mesmo,
o café e o silêncio
como uma
lembrança
incontrolável.

Um vento passou pela minha janela.

Seria o mesmo daquele dia?

14.9.09

Que tolo seria eu
se pedisse ao amor que estivesse
num poema ou numa
música ou num filme ou
numa fotografia
publicada em jornal,
para que todos o vissem fora
de suas próprias vidas; nenhum
artista, enquanto artista, poderá
dizer "eu te amo"
sem estar mentindo.

E é por isso que
talvez esse poema
,essa vontade incontrolável que eu tenho de pensar no amor e descrevê-lo em palavras,
não seja nada mais que
a prova de que
eu não sei amar,
de que eu nunca o soube,
e que talvez eu seja mesmo esse pedaço de carne indiferente
ao mistério das coisas,
esse ser estranho que esqueceu o que é o amor
no mesmo dia em que esqueceu o que é o
sorriso feliz da ignorância
de quem quer escrever
um poema de amor
mas não sabe como.

7.9.09

Sobre as unhas sujas

Estou sentado no velho apartamento
com um prato de
cenouras e beterrabas
na mão, e vejo nelas
a fúria que talvez
nem Tison teve ao
morder aquela
orelha (elas nascem presas
à terra, como os homens).

O alecrim é um tempero imóvel
e madeiroso, como
algumas vidas
comuns; como a vida
de meu pai, do feirante
e do pasteleiro, dos viajantes
de menos de 2 Km, e dos
jardineiros que não
tiram férias (as raízes
daquelas rosas o prendem
ao chão).

Poderia pegar o próximo avião
para a China, e sentar em frente
à muralha, esperando
por um segundo de paz. Mas quão
estúpido eu seria se buscasse
a minha paz em um muro
distante. Poderia
ir a Machu Picchu esperar
que os espíritos de lá
me dissessem o que fazer da vida,
(como se os espíritos daqui
não pudessem fazê-lo)
ou iria à Amazônia
tomar um porre de yage, esperando
a salvação enquanto os mosquitos
me mordem; mas quão estúpido
é sair de casa como
se a vida não estivesse
aqui, e eu, fora dela,
precisasse encontrá-la.

Eu poderia ficar dias sem tomar
banho correndo pelas
estradas da América e tentar
ser o novo Kerouac... mas
que espécie de ser perqueno
seria eu, se precisasse
fugir do mundo
para fazê-lo surgir?

(Quando Cabral viajou em caravelas,
não foi pra encontrar o novo mundo,
mas para levar o mundo velho para terras
que não eram suas).

Minhas unhas me prendem
à terra, e debaixo
delas uma
fúria se esconde: eu não
estou preso ao mundo,
mas é o mundo
que está preso em mim.