27.9.07

Corpo e Silêncio

I
Caladas, as
mãos nos
dizem mais que
o barulho das
palavras – o coração
é uma bomba de
chumbo que
explode no
silêncio da
madrugada.

II
Há no silêncio
uma armadilha
de que o coração
não escapa: cada toque
da língua é o gume
de uma faca.

III
O sangue corre
nas veias como
a brisa pelas
casas: o silêncio
inunda o corpo
como um
incêndio que
se alastra.

IV
O vento invade
a boca quando
se separam as
duas línguas: a palavra
nasce onde dois
corpos amando
se trincam.

V
Se o sol nasce
entre os prédios
da cidade, um circo
de silêncio
se apaga: o amor
eterno é uma
piada mal contada.

18.9.07

A facada da felicidade

Andando pela beirada praia
de Santos com os
pés descalços e os
chinelos na mão,
tento fundir-me com a
natureza para pensar sobre o esgoto que corre a céu aberto em minha vida.

Eu deveria estar
me divertindo. É isso que fazemos
nas praias. É isso
que a tia velha com
o molenga mapa mundi
estampado na gordura do rabo (e o meridiano
de Greenwich atravessando
o cu do mundo) quer fazer! Não
é isso que aquela
criança que acho inocente - mas não é -
deseja ao criar a frágil arquitetura
dos castelos de
areia? O que querem
essas gentes todas, algo
além de se divertir? O que
quer esse velho tiozinho
analfabeto vendendo sorvetes
senão ganhar dinheiro com
a diversão alheia para poder
ser feliz qualquer outro dia
em qualquer outro lugar? E eu, com os
pés sob essa areia, entre
o mar e os prédios
da cidade, entre a civilização
de homens e o mar natural, o que
faço embebedado de
tristeza e pensando
sobre as merdas da vida?

Parece até incoenrente
gastar tanto dinheiro
pra vir aqui
em Santos e não ficar rindo à toa bêbado, não fingir
uma falsa felicidade e estampá-la
para meus amigos em um sorriso de
jégue! Pôxa, pra que ficar
triste na praia, amigo?... esquece
tudo isso de poder, saber,
ciência, solidão, o amor livre,
a física quântica, facadas
internas que golpeiam
teu estômago e inundam com
ácido gástrico teu coração.

Sorria!, você
está sendo bronzeado!

Mas é andando nessas
areias com a tristeza
de quem sabe estar solitário que me
sinto melhor hoje, bem melhor que ontem,
quando o álcool me passou uma rasteira
e acabei dormindo
em cima de uma panela com
arroz
feijão
ovo frito com gema mole
solidão
e uns resquícios de baba.

Ninguém mais está
andando pela praia
rastreando
os grandes pedaços de bosta
que bóiam em
nossa direção, nem os
animais mortos comendo
areia na costa
do país, muito menos
buscando a explicação que
diagnostica a loucura
de cada um de nós.

Todos estão caminhando pela
praia e só conseguem ver nela a coisa
que não está nela: a felicidade. Não
entendem que ela
,a felicidade, antes de tudo,
está perdida
no buraco negro dos
olhos, escondida no labirinto
do coração, de onde nasce e
de onde nunca sairá. Não entendem que não
existe droga no mundo
que te bloqueie as
lágrimas dos olhos, nem lugar
algum que te exorcise
do passado.

Estar aqui, estar ali, na beira
da estrada, nas ilhas do Havaí,
na piscina do hotel, nas baladas
de Santos... tanto faz para
mim! A felicidade é nômade,
anda junto com nossos
corpos, costura-se
com o universo nesta malha
de experiências que é o homem!

Felicidade,
estrada sem fim em que me obrigam
a dirigir em alta velocidade,
mas que não consegue
existir se a alegria dopada de
todos que amo me vigia
com uma arma na cintura
e uma faca na mão.

15.9.07

O poema fede

Na incrível tessitura
de células
delineadas e
megalodesenvolvidas
- onde a capacidade
de absorção é estrondosamente
multiplicada
devido ao formato irregular da
membrana plasmática
que aumenta a superfície de
contato - há uma massa negra
escondida
que caminha pela luz
de dentro dum duodeno
de emoções – espasmos
de felicidade, booms de alegria,
químicas de satisfação – num
caminho tortuoso
e praticamente infindável
onde a energia humana
se esvai em carbonos e restos
que de nada prestam ao
belíssimo e escultural
corpo de homem, perfeitamente
e incontestavelmente
esculpido pelo ser
que criou nosso universo
metafísico de dores, fedores
e rimas infames:

eis o retrato prolixo de
um poeta
sobre
o trono
da eternidade.

e, pra variar,
o poema fede

5.9.07

Se eu fosse louco
,me diga,
você fodia comigo
do mesmo jeito?

Se eu fosse louco e rico
,vadia, você fodia?,
você fodia
o dia inteiro?

Se eu fosse louco, rico e estivesse
de caganeira,
você, vadia linda,
limpava a minha ficha
criminal?

Não me diga mais
nada, senhorita,
porque em mim
há mais loucura
que a cocaína
pode te proporcionar!

Se eu fosse magro e bonito
,sinhazinha,
você me fazia seu
escravo? Ou é errado
querer lamber teus
pés de princesa
se tenho os meus
cheios de calo? Ou é
besteira lamber
o pus da tua
gonorréia?

Se eu tivesse a pica do tamanho de um jegue cabeçudo e nordestino,
me diga, menininha,
será que você
gozava? Será
que você
agüentava?

Ah!, não
há nada tão bonito
(depois de uma chinesa pelada)
como um poema em que
a semiótica não
pode penetrar!

CHUPA, Lúcia Santaella!!!!!!!!!
DÁ O CU, Décio Pignatari!!!!!!!!!!

2.9.07

Tópicos racionais sobre a loucura

* A verdade é produzida: o louco é produto da verdade.

* A mentira não existe no presente, é sempre uma coisa do passado: o louco é o dia de ontem.

* O que há dentro da linguagem, o que ela abarca: isso é o virtual. Pois o real é aquilo em que os olhos ainda não olharam, a mente não codificou. E o louco é o real: a impossibilidade de haver linguagem.

* A razão desfeita: eis o tombo da verdade, a mentira. E o louco, esse ser perdido no caos da realidade, é tão só o paradoxo: a razão que busca e justifica a desrazão.

* O que está perdido, o que não se vê: o louco sobrevive na solidão, e tão só nela. Pois só se encontra o louco quando ele se encontra, numa sala coberta por espelhos: o louco, esse louco, é ele quem se procura, mas não deixa o rastro fácil pra ser descoberto: salvar o louco é isso, encontrá-lo em seu mundo escondido.

* O bêbado não sabe que é bêbado, sempre acha que pode se controlar: o louco é o mesmo, um bêbado sem consciência, acha que a loucura é brincadeira, um fingimento, mas a loucura já está lá, já está soprando a brisa em teu ouvido sem sanidade.