18.7.09

Quando fugir é necessário

Às quatro da madrugada estou sentado frente a uma folha de papel em branco chamada "computador" que me olha e não reconhece meus limites. Ela quer que eu escreva, e escreva, e diga aquelas coisas todas que dentro de mim se encontram esquecidas e querem morrer, como o corpo e a vida dos homens. Eu digo, e digo, e contorno a situação com um sonho estranho - hoje havia uma mesa coberta de massas com ervas finas, e eu pensei (por dentro, pois no sonho há muitas vozes, não só a dos outros, mas também a sua): por que raios não largo tudo isso de epistemologia homossexual e me dedico à arte de criar alimentos que se aproximem da arte. E vejo que com uma faca e uma cenoura na mão, às vezes, sou mais feliz do que com todos os livros do mundo, e penso que talvez felicidade não seja suficiente para ter uma vida completa. Talvez seja preciso mais, seja preciso sofrer, seja preciso levar uma facada pelas costas, seja preciso trair as pessoas, trair os amigos, trair a si mesmo, dizer "saia, saiam, voem", dirigir-se ao mundo das sombras carregando um pão com queijo, um pão na chapa, um pão com vozes, e dele extrair um poema de dor, um poema de sofrimento. Talvez seja preciso tudo isso para se sentir realmente pleno, sentir-se bem, ainda que não feliz. Felicidade é uma grande besteira! Quem a quer, esquece de viver. A vida é sofrer, a vida é correr todo dia de manhã pela rua e aturar os farpos de madeira que te penetram o dedão do pé, os dentes podres que empurram tua gengiva para o inferno, a boca do dragão a sussurrar em teu ouvido. É preciso morrer para dar valor à vida; é preciso perder; é preciso, é preciso; é preciso.

Dormir acordado é estar feliz, é estar feliz, é olhar para o céu e ver a felicidade, é esperar que a morte não venha, é correr das sombras quando elas surgirem às 7 da tarde, é olhar para o seu pai bêbado e sentir vontade de pular das pontes, é nadar em sentido ao centro da terra, é uma guerra, é o amor que te faz sangrar o nariz e te usurpar o muco.

Quero correr, quero fugir não da vida, mas da felicidade, quero ir de encontro à fuga, não fugir do mundo, mas fazê-lo fugir, como se estoura um cano, como se estoura uma veia, como se faz saltar o sangue dos olhos, como se tua visão estourasse os limites do horizonte - como se o horizonte te custasse o esforço de teu sangue a estourar os vasos - a estourar os canos - a estourar-se: morrer um pouco.

Amigos, tive muitos, e todos morreram, nenhum me sobrou. A vida os levou - a morte os levou - a felicidade os levou. A todos, deixo apenas um pedido de desculpas, por não tê-los suportado, por não ter-lhes dado mais amor, por não me importar com eles o tanto que eles se importaram comigo (e que amigo realmente se importa com o outro!?). Eu quero aqui me desculpar, dizer que tudo aquilo foi em vão, que anos e anos se passam e nada mais fica que a certeza de que era preciso morrer, era preciso deixar fugir as pessoas, fugir das pessoas, fazê-los andar sobre passos estranhos, mundos estranhos, mundo onde não mais o amigo está, mundo onde não mais estou, mundo estranho - já não o mesmo mundo, já não o mesmo sabor de pastel em frente à minha casa, já não o mesmo sabor do álcool que ela saboreou naquela noite, não mais o calor do teu pau a penetrando, não mais o olho do teu novo namorado com o mesmo impulso, não mais a vida, não mais a mesma vida, a vida toda mudou. Ela não é real, não posso fazê-la real, não posso fazê-la real, não posso fazê-la andar, não posso fazê-la esperar e sangrar, não posso esperar. A morte está por toda a parte. Fico feliz que você tenha partido, fico feliz... eu sei que você não precisava de mim. Estar ausente é o meu melhor presente que dou a você, agora.

14.7.09

O gato e a fera

Olho o gato e digo: "fera"
e ele corre inocentemente
em busca de um novelo de
lã.

Olho a lã e digo: "fera"
e nela vejo garras
e veias saltadas
em seu pescoço
de fúria ágil.

Olho para meu gato e digo: "lã"
e ele corre em círculos
em volta do sofá
e briga com o novelo
como se fosse
seu irmão
mais velho.

Eu olho e vejo
e dou nomes estranhos
às coisas, para que
as coisas sejam
gáticas e os
novelos sejam lã
a desenrolar-se.

O gato e a pedra

Olho uma pedra e digo: "pedra"
e as coisas
estão todas
em seus
lugares.

Olho uma pedra e digo: "pedra"
e as coisas
não vazam nem
escorrem como
o nariz das crianças
que tropeçam
e choram.

Olho uma pedra e digo: "pedra"
e espero dela que ela
seja uma pedra e seja dura e não
mude e permaneça uma pedra
para que eu a aponte e diga
"pedra" e veja sempre uma pedra.

Mas ontem o gato viu a pedra
e disse "miau"
e o mundo todo
já não era mais
o mesmo.

8.7.09

o leite do cio, o cio da pedra

Sete dedos brotaram
da terra, e de sua
pose inspiradora
apontaram para os
sete homens
que não
tiveram a chance
de falar; esses
salvarão
a Terra, de seu silêncio
,de sua
luz, de sua
morte haverá
vida e de nossos sonhos não
mais que
nossas
prisões.

O mundo
não é brincadeira;
o mundo é fogo
é terra
é a transpiração
do vapor sobre
nosso sangue; é atmosfera
é termostato é
dor é cio é
desejo é vida é
morte é morte em vida
é círculo é pedra
é traço é palavra
é rocha é chaga
é chaga de rocha é
pedra é ferro é metal
borbulhando é pétala
de fogo é lágrima
sobre a fogueira
é o verão ardendo
é o inverno é o gelo
em chamas é a terra ardendo
é magma é luta
é morte é gruta escura
de onde a palavra
brota (é vida, é dor,
é peça de xadrez sob
as mãos de Deus, é o homem
com as peças na mão
é você sobre suas próprias
peças, rei de si senhor
da tua vida, degladiando-se na
arena dos teus pensamentos
é tristeza que brota é) amor,
é o ódio que te alimenta
e é a respiração
felina inundada
de sangue.

Uma lágrima
sobre o fogo,
o fogo sobre a terra
a terra sob o ar
o ar sob a montanha
a pressão dos dias
como quem aperta a ferida
e dela não deixa
esvair-se glóbulos
(ólhos, ólhos, ólhos)

A vida é o punho pesado de Odair José gritando da sacada de meu apartamento
"Mas que loucura,
a gente
tem que viver!".

5.7.09

Profecia

O tempo está pesado.

Eu não estou pronto para o que está por vir.

Dos céus descerá um
Deus-muco que
nos grudará
à sua graça e da luz
espacial das estrelas
escondidas sob
as têtas das vacas, os testículos
do sapo, o saco, a boca
dos outros; do chão
se erguerão senhores
de terno e gravata
e eles comandarão a vida
de todos os pequenos
homens que não
sabem correr
sem rodas e máquinas que os engolem
e os atropelam e os matam
e os libertam dos
próprios pés - máquinas
que nos libertam
de nossos próprios - nossos próprios -
pés, pés, pés... por
onde andaremos nós,
nesse dia,
em que os violinos tocarem canções
distorcidas e dos campos
em chamas sairão insetos
,como os insetos do nosso nariz,
como os insetos no nosso intestino,
como a força, como o sangue
que escorre de nossos
sanduíches, como as crianças
que escorrem de nossos dentes,
sobre os dentes, como os dentes,
como as palavras que nos
dizem e nos
dizem e Alá! Haverá,
Alá mohamed'ali quimaricaturerapia,
os médicos serão padres
e os shamans serão guerreiros de onde
a dor brotará para salvar-nos
- e nossas mitologias não
serão mais as mesmas e nossos
dias não serão mais aguádos
e nossa chuva não será mais ácida
e nossos filhos não
serão mais pequenos e indefesos e nossa
mãe nos abandonará a correr pelos
lagos - e morreremos
afogados, e morreremos
afogados e poucos
serão escolhidos...

ele vem de helicóptero, e com
nove braços e uma
cabeça de inseto-rei
ele nos levará para
uma caverna
de onde nunca mais sairemos
e de onde nunca mais quereremos sair
e nunca mais pensaremos
em outra coisa a não ser
na própria felicidade, porque
não teremos mais dor, e esse será
o fim da vida, o fim do mundo,
o fim dos tempos - o sonho
psiquiátrico, o sonho dos homens
sem cor, os sonho nazista, o sonho
socialista o sonho cristão o sonho
dos homens dos homens sem sonhos
os violinos e os gatos
os sons estranhos
o miado da noite iluminado
por aqueles que se esqueceram
de viver e amar a vida
como quem ama aquilo que
perde e aceita a morte
como os insetos
aceitam suas pequenas
asas

(uma brotoeja nascerá do Escolhido
e as moscas o transformarão
em Deus-medusa e Deusa-varejeira:
e quem não o
seguir será castigado
com a plena felicidade de nunca
sentir o cheiro
de sua carne
apodrecer)

3.7.09

?De quantas sombras
não é
feito um homem
e seus olhos
e corações
de vórtex sobre
as palpitações?

?De quantas sombras somos
envolvidos
ao olhar para a janela
e nela ver
flores na sacada
vizinha, no apartamento
onde eu costumava espiar
a sombra daquela
garota
de olhos estranhos?

?Quanta escuridão
há em nós
quando penetramos a mulher
que amamos
e a mulher
que não amamos
e as unhas
penetram na carne
e a fazem
amarelar e enegrecer
e caírem no chão como
a lágrima que
escorre pela
língua de um
cachorro sufocado pelas
coleiras
de sua dona?

Ouça, e ouça
bem, porque só vou
falar isso uma vez, e eu não
me repito para mais
ninguém, entendeu, eu
coloco minha arma dentro
de meu coração e atiro
para fora e posso estourar
seus miolos com uma
só palavra e te mando
calar a boca mesmo
que você seja um juiz e eu
tenha que lhe pagar uma multa,
eu estou te avisando
seu filho da puta convencido
que se acha o dono do mundo
que eu tenho uma coleção
de boas armas em casa e posso
me expressar o quanto quiser
e você não é que pensa que
é seu pedaço de estrume com uma curva
no canto dos olhos negros e amarelos
como o fígado pobre
de teus filhos que você
alimenta com o sangue que espreme do
coração dos infames e do sorriso
sofrido de uma
velha aposentada! Eu te mato
com uma só palavra
e você verá só!

por quantas
trevas mais - e as palavras
se empremem no canto
da boca e me sorriem com um
desespero! meus dentes caíram, e tudo
vai começar novamente! ESPERO
ainda que você veja e eu estou
dizendo, eu lhe mato, eu lhe mato
não coma minha filha numa
mesa de jantar com velas
e sacrifícios porque eu
sei que você não
quer me proteger, você só
quer que eu foda a minha vida, eu mesmo,
e diga que sou culpado
de nascer e viver e sorrir
e foder a sua mãe! ah, como
é bom vê-la gozar dentro
da minha orelha (o gemido,
a dor que é tão boa, a dor que
é tão boa, a dor que
não se pode negar!)
queria ver
você sobre todas
as trevas do corpo dos
homens pra ver se
aguentava o que eu
aguento todo dia,
je suis allé
baque trois, enfants
los chicos e
las crianças te vão
dentro, dentro
amanhã, por demanhã
de manhã, como um
dia sem nuvens, sem sol, quando
o sol se apagar, eu e meu
rifle te mostraremos
que as trevas estão aqui,
no meu coração,
sufocada, sufocada,
por vocês
que sequer sabem
que são
as trevas
que te movem, e
te fazem escrever como
um maluco e colar em cartulina
os teus mais insanos
problemas que são inumanos


ninguém está
pronto para o que está por
vir, é um vírus,
é o que dizem: esteja preparado
para qualquer coisa, as pessoas
querem te atirar pela merda da janela
e eu vou te dizer, pronto
como nunca posso estar,
it's a litle saying
não aceite nenhuma
merda e sempre
esteja sobre o seu chão.

há um vírus que
se espalha sobre nossa
vida, e a diarréia
da vida, pelo ralo,
a vida pelo ralo, você
a deixou escapar, sorrindo
superficialmente, o sorriso
hipócrita, e toda vez que você acha que está seguro,
está tudo em sua mente,
está tudo em sua mente, e só na sua mente, os
ratos na cela,
você sabe quem são? tudo na sua
cabeça, tudo na sua
mente, e você
tenta!? E VOCÊ TENTA
LIBERÁ-LO!?!?!?