26.12.07

Passeio pela cidade em busca de uma cura à depressão solitária

Caminho pela rua sob
um ataque de loucura: onde
estarão meus
remédios, Deus? Será
que dentro desta bruta
catedral londrinense
de aço, trindades e
triângulos mágicos?

Ah não!, chega de filosofia,
chega de metafísicas
desesperadas. É melhor descansar a
mente, é melhor deixar de correr na esteira
dos pensamentos, é melhor nem começar
sabendo que apenas estarei rodando
em círculos de clichê: é melhor se entregar
de uma vez à loucura descontrolada por remédios.

Vou parar um pouco, sentar-me
no banquinho da praça e pensar
sobre amenidades. Que tal
estudar aquele homem imóvel
,como eu, no centro da cidade?

Ah!, mas que bela
estátua de praça pública!, pronta
para ser mais uma dentre
tantas outras metáforas inúteis
de poemas repetidos!

Descrevo-a, pois:

Mantém-se
a forma humana, o par de
braços e pernas, o peito
em montanhas de
cálcio, o ânus
escondido na
fissura do
rabo, o traje de
pedra pronto
para o espetáculo de silêncio. Em sua
posição estratégica e cotidiana,
o velho homem
de porcelana é centro
de um mundo paralelo que
passa despercebido
como qualquer pequeno cartaz
à beira da marginal Tietê. Se tem asas nas
costas ou coroa em sua
testa, não há diferença: em seu
jogo de imobilidade, o monumento
humanóide
é invisível como o coração
de todos aqueles que o
cercam; pombas cagam
sobre sua cabeça e
cães mijam em suas humildes
sandálias.

Pois é, garoto... sou teu
melhor amigo hoje! Chegamos
à mesma conclusão chata:
a razão nos torna geógrafos
das paixões, arquitetos
dos pensamentos, urbanistas
dos sentimentos. E o louco
,pelo jeito,
somos eu e você
,amigo estátua: mata
virgem, terreno
baldio, cidade
fantasma.

Pronto. Até aqui, parece-me que o poema está terminado. Sinto-me melhor, mesmo que não me sinta feliz. É como se, me contradizendo no que acabo de escrever, eu houvesse feito dos pensamentos um grande feito para a humanidade. Então levanto, movo-me doze ligeiros passos e paro em frente à banca de jornal para ver a manchete do dia. E penso rapidamente, para minha tristeza – ou talvez, quem diria?, alegria!: "estranho como agora todo o rascunho de poesia já não faz mais sentido: enquanto a estátua está sempre parada,

eu posso estar
sempre
a caminho..."

17.12.07

Falta do que fazer em madrugadas vazias OU os poemas que não deram certo OU AINDA nunca serei Dalton Trevisan (ainda bem!) - 01 de infinitas partes

I
Eu só queria
que esse dia
fosse amanhã,
mesmo sabendo
que amanhã só
seria o mesmo
dia.

II
Ela vem almoçar
em casa frango
com batatas. Eu queria
que a vida fosse
natural, mas acabo
de descobrir que não
existe natureza. Kiwi
é uma fruta estranha.

III
Vodka me faz vomitar.

IV
Eu penso em você ainda, sabia?
Não como quem ainda ama,
mas como quem ainda amaria.

V
Fruta do conde tem
um nome
colonial.

VI
E se ela estiver
grávida?, eu caso e faço rosquinhas?
Hmmmm... rosquinhas!

VII
(este não será posto aqui no blog, por consideração a vocês poucos amigos leitores!)

VIII
Tem frases que não
fazem sentido, mas são boas
de serem ditas. Entre elas,
"Kiwi é uma fruta estranha".

IX
A Manu tem lábios carnudos,
nem por isso tem carne labuda.
...
Cara, falta do que fazer torra o cérebro mesmo!

X
A Tucci é minha amiga mais bonita!

XI
Maria Maria, é o sol, que irradia... lá lá lá

14.12.07

Poema escrito à beira de uma janela aberta enquanto eu olhava pras estrelas e, ao vê-las, pensava nelas!

Burguesia:
tua mãe e tua filha.

Briguinhas de família,
tudo em casa, a filhinha
revoltada foi marxista, crises
de adolescente! Tudo passa
nessa vida! Logo arranja emprego
e se casa... a moça é moça prendada!

Quando você estiver com dor, vão
te dar injeção. Quando você parir tua
filha, será cesariana. Quando você se
entristecer, vai ser por frustração.
(Afinal, todos querem ser alguém, e não ser mais que alguém seria muita humilhação!)

Nas férias, assista a desenhos animados! Enquanto
você corre pro futuro, a bigorna da incerteza cai na
tua cabeça e
,sem um pingo de sangue escorrendo,
,sem o cheiro de ferro e suor,
,sem dor nem sofrimento,
,sem cicatrizes ou seqüelas,
– ouça!, até tem risadas forçadas ao fundo te sugerindo que ria junto! –
...........
logo em seguida, você volta a caminhar!

É assim,
é sempre assim pra quem vive dilemas marxistas de apartamento:
Ah!, infame natureza humana... nem na reunião do condomínio nos acertamos!

E tudo parece tão incerto, as coisas parecem não
ter caminho definido – e isso é sempre terrível! –, você não sabe se vai
ser juíza-médica-advogada-dentista-professora-mulherbemcasada,
não sabe se diz que prefere James Joyce ou Kafka,
não tem a mínima idéia de qual a tua cerveja favorita
(ó, que será de mim!?, Skol?, Boêmia?, Original?, Antártica?),
e já sente até dúvidas quando te perguntam se acredita em Deus!
(Oh!, Deus!, como sofro!, por que mais este dilema?)

Amemos samba e tornemo-nos populares!
Leiamos poesia e carimbemos nossa inteligência!
Louvemos a liberdade e viveremos livres!
Amemos Chico Buarque e estaremos sempre certos!
Votemos e exerceremos poder! – aliás!, o que aquele corrupto fez com a economia?!?!?

Ah!, esse país é uma vergonha! Tudo está errado!
Onde está a democracia, pílula abortiva contra os tiranos!?

Se te apontam uma arma, você liga pro jornal!
Se matam tua filha na tua frente, você quer justiça!
Se o Fusca bate no teu Mercedes, você quer o conserto!
Se tua máscara se perde, você só deixa de ir ao baile!
Se teu óculos se quebra, você só compra outro óculos!
Ah!, quanta tristeza, quanta dúvida, quanta frustração, quantos dilemas ainda teremos que viver? Nunca resolveremos todas as mazelas coloridas exibidas com som surround 5.1? (Se você fosse à guerra, faria como aquele cara da tevê que apertou um intestino na mão e sentiu o cheiro de merda se misturar com sangue que escorria pelos dedos?).

O mundo não fede, nem cheira: só chateia!

Eu nunca apanhei na vida!........ quanta tristeza: eu só queria isso, tudo que eu queria era apanhar um pouco!

Do teu apartamento, tanto faz como você vê o mundo, se com óculos escuros, se com binóculos na mão, se com boa ou má intenção, se pelo jornal progressista, se através do filme do Tarantino, se pelo romance do Garcia Marquez, se com a filosofia de Sartre, se com o amor ao próximo e a benção de Deus.....Não importa!

porque a vida nunca será
vista da vista da tua janela

10.12.07

Uma bonita anarquia

Copo de café
quando tem alça é
xícara; se é grande,
caneco. Pra ser
homem, tem que ter
pica. Pra mulher,
a dita. Ninguém
é quem quer, nem tem
tudo o que cobiça.

Mas não significa
que xícara é menos
que caneco. Não
quer dizer que ter
pica é ter poder,
nem que a dita só
foi feita pra se
foder. Pelo inverso.
O que é lindo neste
mundo é pica ser
pica, dita ser dita,
caneco não ser xícara
e todos comerem, beberem e gozarem.

7.12.07

O vermelho e o negro

Bolchevique,
por todo o vermelho do teu sangue,
a Terra mudou de cor.

Hoje, na noite mais escura,
teu sonho é doce-negro por dentro
,vermelho por fora,
como as latinhas de coca-cola.

2.12.07

Afonso

olhos e bocas
com gosto
de sal;

passa o esquife
por entre
a cidade de pedras,
com cinco homens
,dez pernas,
e os braços dos filhos
que o levam
pro leito;

depois que
a pedra lacra o morto,
procissão de silêncio:
pra casa, a prole
viva caminha
,lentamente,
com a própria
morte
cravada
no peito.