30.5.10

É que as palavras são coisas
duras e ásperas, nelas
a nervura
do homem se concentra,
e em nossa garganta
ela levanta uma
faísca
prestes a virar chama,
em nosso ouvido
ela aquece o sangue
e alfineta nossa
mente: CRAPTU
SUNCTO, PREPARA-TÓRIUM.

Para o rastro dos
dias que ficaram para trás nós
falamos. Meus joelhos
ralados: ossos TRINCAM
FRINGEM, TANGREM, MIRUCUS

Nem o céu, nem as bolhas de sabão.
PALAVRAS de CONCRETO
E CARNE, como os homens
nas cidades noturnas
(a cidade é NEGRA
é SOMBRA à luz do DIA)

Que se for vento, é NAVALHA
Que se for brisa, é TIRO
Que se for morte, é BRECHA
Que se for mente, é CRÂNIO
Que se for triste, é VRYKUL-SHamnÁ-FRU TRÁ TRÁ

Morri com os dentes estourados na sarjeta
e um livro de barro abrindo-me ao mundo,
do meio ao fora, de fora a fora
rasgado e vazando
ENTRANHUS, INTÉSTINUS
FREZEZ, CACTUS, FINDUS
A morte santa

Eu corri pelo meio da multidão com os dois braços abertos e os punhos fechados vi um homem atrás de mim me perseguindo com uma máscara e nele dei três tiros, um nos pés e dois em cada mão. Caiu rastejando, a barba suja de lama, seus olhos amarelados, fedia a estrume e nele pus meus pés e disse "levanta-te, se o que tu dizes é verdade" e ele me disse, olhando fixo, tinha um corvo no fundo dos olhos "estou aqui para morrer, mais nada". Então coloquei os pés sobre seus dentes, soltei todo o peso do corpo, até que eles saíssem de lá, pequenas pedras de sangue, diamantes de magma e carne, ele os cuspiu e eu os masquei como chicletes: "veja, você não é feito de nada, te destruo com a ponta dos dedos". E ele sorria, já sem dentes, estranhamente eu via os dentes ali onde eu os tirei, eram feitos de algo que não era mármore, nem barro nem lama, nem carne e músculo e entranha - sopro de brisa, palavra vermelha e ferro em brasa. Então, ele me estendeu a mão e disse: "morra comigo, daqui para frente não há mais o que fazer". Então o beijei na boca, chamei-o de Cristo e até hoje ele me coça o céu da boca com sua língua, quando vejo que de mim nada restou senão um homem vazio, uma estante de livros e um amigo que amanhã vai partir, deixando na casa apenas os cascos usados de cerveja.

O rancor por dentro da noite

Queira guardar para ti seu rancor, que é teu único e inseparável amigo. Tuas costas são um faqueiro, tuas palavras um verso vazio: cagas na privada e conjugas verbos como se fosse importante, mas no fim, é tudo bosta com que os índios pintam a cara (URUCUM É A MERDA DO TINHOSO). O Mundo é círculo de fogo, barras de ferro, noite e sopro, e você no centro, que quer da vida?, não sei, que quer para amanhã?, o mesmo de hoje, que acha da tevê?, nela só me vejo quando apagada, quando partirás?, todo dia é a partida, minha, deles, destes homens que não sobraram. E então, quando todas as cidades forem uma só, me lançarei de uma ponte e habitarei esgotos: neles amamentarei os ratos e terei filhos fortes e sadios, e lá deixarei uma marca de minha existência, e para quê?, para que as bandeiras não fiquem a meio pau, e para quê?, para que a morte me dê dois dias a mais, e para quê?, para que meu pai não me veja morrer, e para quê?, para que o tempo das coisas não se inverta, e para quê?, amanhã todos me deixarão sem ver o sol, e nas sombras serei DEUS, que é este o destino dos homens: sombra-fazer-se, nos dias de luto, esses que habitamos. Amém.

É que os anjos me contaram

Pai, perdoe meus pecados
que deles não tenho
vergonha; na ponta
do meu pé, o sangue
de todo
um corpo se contorna, de lá
pra cá não
sou o mesmo; em mim
um homem gira de-dentro-pra-fora, e
nele os tempos correm,
como relógios
e círculos,
em minha cabeça o mundo
pesa, como as patas
pesadas dos
gatos, sapatos
que te plantam à terra;

e o homem é feito de pedra,
nele tudo se escreve
ao peso da pena, ao sopro do lábio,
à força dos dentes -
sua sentença,
para sempre cravada
na carne.

e quem me lambe e em mim
crava seus dentes, devora-me
arranca-me o peito
o feito e o pênis,
e deles façam biscuits
e de meus cabelos
tracem estradas sobre os mapas
e de minhas veias canais de esgoto
e de meu meu coração, um
aterro sanitário.

O homem é uma cidade escura
SOB A NOITE E A NÉVOA ELE SE ESCONDE
e como um arranha-céu, desaba sobre
a grama, empala a madrugada
com seu terror...

FRICÇÕES, meu mau hálito
a línga que se atola
em tua boca, desesperada, varrendo
o vazio e a saliva, as leis
e os cultos, Deuses
chamados AMOR e VRANCTUM:
o nome dos Deuses é
SER, e o SER é TEMPO,
e o TEMPO é CARNE
e a CARNE é HOMEM
que sangra, dilacerado
pelo passado,
pressionado por seu
futuro, duro
como MALACHITA,




Um Halo contorna a boca dos anjos,
vermes neles habitam,
eu morro agora, mas já me
mataram antes

16.5.10

E do inferno eu vim,
ser rastejante os gotículos
encravados nas unhas
RRRRÁ, Braquitua
flamejando o bafo de tequila
e as pimentas
atoladas no coração dos
pobres.

Bramindos, ratos me lambiscam
os mamilos, estou entregue
ao céu (apodreço
e me torno terra: e a mãe
é água, o pé, onde
está?)

Decifro estrelas e sua estranha similitude:
SALCIA, MULSSA, FRINQUITUS,
SFRANJA

Que o homem é feito
de tempo, e os tempos
não perdoam
a carne.