28.10.07

Estreito

A rua era estreita. Os pensamentos, poucos. Passos, curtos. E devagar, bem devagar, voltava para casa. Torta ou macarronada? Agora, cabe a ele decidir. Torta é trabalhosa, demora. Macarronada, prática. Capaz marmita de novo: comida sem gosto de mão. E isso, ninguém nega, ela tinha: belas mãos. Nada como a comida, em cima da mesa, quente, te esperando. Morrer de desgosto, aos vinte e cinco? Besteira. Suicídio é coisa de gente que nasce com problema. Dizem que os gritos, à madrugada, no quarto, eram vontade de morrer. Boato. Nego até a morte. As marcas? Estabanada, claro. Antes me amasse de verdade... Se fosse esperta, aceitava. Mas não. Tinha que usar aquela saínha curta! Andar na rua, como mulher sem homem. Morrer, assim, de tristeza? Ela que era fraca. Maldita! Nada no mundo, nada paga a dor da dúvida que você me deixou pro resto da vida: o que vou comer todas as noites, vadia?

Trinta quarteirões. A rua não acaba. Se estreita a cada passo.

Não houve gritos naquela madrugada, nem de dor, nem de gozo. Só um fino eco de choro e silêncio.

17.10.07

Tio Luiz e um epitáfio

Tio Luiz

Quando você
morreu,
abandonou
o mundo
como uma
cidade
fantasma
some do
mapa:
foram-se as
entranhas,
os fluidos
as idéias, as
risadas, as doenças,
o fígado
cansado, o
sangue
encardido, a
carne frágil,
aquele jeito engraçado;

agora só restam
os ossos, essa
carcaça: gigante
e humana
cidade fantasma.

Que susto
pensar na vida
sem você, cara!

A morte vai
e te leva
e nos
deixa esse
vazio cheio
de cálcio.

Estranho. Há anos não te abraço,
mas hoje sinto tua falta. É como
perder o que não se tem, é como
tragar um cigarro apagado.

E hoje me pergunto:
“o que dizer pra alguém que já sumiu do mundo?”.
E me resta apenas este adeus no vazio,
Tio.