28.11.07

Foi-se embora tua Pasárgada

Se você tiver que ir embora,
vá pra um lugar qualquer,
porque, em qualquer lugar onde você estiver,
estará ali, ainda, você.

Tanto faz se você fica ou
se vai pra Pasárgada. Aliás, pode até
ser que lá a coisa piore, porque o
Rei não anda pra muitos amigos
e as mulheres disponíveis são
prostitutas caras, feias e que não iam
te namorar - até porque, duvido que você ia
querer! E você também não ia querer
andar de bicicleta, porque sabe que
,hoje em dia, todo
mundo tem carro, e não é você
o pobretão derrotado que vai se contentar com pouco! E se
visse touro brabo, com certeza ele é que ia
montar em você. Isso se não acontecer de, na tua ausência,
a mulher que você ama acabar na cama com um cara que ela
mesmo escolheu - e pode até ser que seja eu!

Onde quer que você esteja, não vai se divertir com
pau-de-sebo, nem com história,
nem com tia velha da infância, nem com rainha louca, e se tiver
parente eles vão é te pedir
dinheiro emprestado! Ninguém vai ser criança
só de pisar ali, porque o tempo
não volta e, quanto mais passa, menos
quer e menos pode voltar.

E se um dia você ficar chorando e quiser ir pra
algum lugar melhor... aí pode esquecer, amigo! Ninguém
aqui é Manuel Bandeira, estamos em Londrina,
hoje já é 28 de novembro
de 2007 e a civilização é outra de tanto que o tempo
passou. Não precisa ir pra Pasárgada, porque aqui já existe
telefone automático, método anticoncepcional seguro
e alcalóide pra dar e vender – mais pra vender que pra dar, aliás!

E se por um acaso te der vontade
de chorar, de pular do prédio,
de mudar de casa, de fugir pra sempre, aí você
pensa nos filhos que deixou no mundo, na dívida
que eles vão herdar e no caixão que terão que
pagar, porque, hoje em dia, nem mesmo
depois da morte a gente
foge da vida.

16.11.07

a foz do mundo

Fecho
os olhos e não vejo mais nada em
meu caminho: tudo
parece ter acabado nesses dias
sem rumo da juventude:

é o fim.

Por dentro,
sinto-me este monte de água caindo, sou
pedaço de minha época de niilismo, a foz
do mundo, a vida escorrendo
pela Garganta do Diabo. Mas abro os
olhos e vejo meus livros espalhados pelo
chão, sobre a mesa, ao lado
do computador, na cabeceira
da cama: Foucault, Caeiro,
Campos, Gullar, Russel,
Wittgenstein, palavrinhas
organizadas
em pedaços de papel irritantemente colocadas na ordem certa
,no lugar certo,
,com o tamanho certo
e proporção equilibrada para que a existência seja correta para todos
- mas
,talvez, não
para mim. Então fecho os olhos
de novo e vejo refletidas
em pálpebras esmagadas
as mesmas palavras em
outra ordem, viradas do
avesso, rasgada a pele, de entranhas ao
ar, girando em ruídos
de liquidificador, gritando um
eco desesperado em meu ouvido:
"não corte os pulsos nem limpe
o quarto, cara! essa
bagunça é bonita como há
de ser a vida!".

A desordem é bela
quando é
minha. Por dentro deste
quarto, meu cheiro
ruim é bom porque
me reconheço nele; o suor nasce
do meu sangue, mofa
minha parede e cheira azedo
como minha vida.

Mas se minha mãe vem aqui e muda um livro de lugar,
se ela empilha-os todos na estante por ordem alfabética,
aí meus pés
tropeçam no mundo, caio
num abismo
e tudo fica escuro e vazio de novo. Cuidado
com a ordem, garoto! Não
fique apenas repetindo discursos
como arara de palanque, ouvindo
indie rock colorido, escrevendo
sonetos alexandrinos... grite ruídos, sangre
a garganta com uma canção
gutural! Porque
o mundo todo é
sempre o mesmo, as mesmas
peças no quebra-cabeça,
mas aquela cabeça quebrada é
única, é só minha, e é só aqui, na desordem
do meu quarto - onde não há
superbonder suficiente para colar
tantos pedacinhos
de cérebro no mosaico
da parede craniana - que todo o
mundo fica bonito novamente,
uma nova luz se acende
para estilhaçar a monotonia,
a foz do mundo vira do avesso e
uma cachoeira de idéias
chove ao contrário,
rumo à imensidão
de um abismo azul
chamado
céu.