25.4.07

A cidade invisível

São três e trinta de uma madrugada fria.

Da minha janela eu
vejo a cidade estendida
sobre um tapete vermelho:
Londrina, cercada
por um círculo
de horizonte negro.

Edifícios, massas de pedra,
cimento molhado
de lágrimas: a chuva
abafa a poeira
do chão. Calmaria
das estrelas.

As ruas estão
vazias. Por
dentro dos
prédios
as pessoas que não
enxergo dormem,
sonham com coisas
que nunca saberei
– e sequer imagino.

A vida repousa por entre
as casas. Há uma brisa que
me balança o cabelo, e
num instante
eu penso: “quem será
que vai tocar aquele par
de halos com
a ponta
da língua?”.

Os casais se amam
dentro de torres
de concreto. Não
ouço seus
suspiros, não vejo
seus corpos, sequer
sei quais são suas
faces. Só sei
,dessa maneira estranha,
que eles se amam.

As pessoas
são um grande
mistério, não é? São
pedras que não
se quebram com
beijos e afagos. As mãos que
tocam os seios estão sob
as cobertas, mas nem
elas nos descobrem.

Já estou cansado
de meus poemas. Vou
dormir depois
desse
cigarro.

A cidade
é invisível como
o coração
dos homens.

20.4.07

Evocação de silêncios

VI

O fim é
o preço
do começo:
o barulho
é a evocação
do silêncio.

V

Falando estamos
a todo momento,
inclusive quando
calamos
o que pensamos
que escondemos
no pensamento.

IV

A palavra falada
é o abstrato disperso
no vento – o corpo
é o toque das mãos
mergulhado em silêncio.

III

Os olhos dizem
o que a palavra
cala – o silêncio
é o discurso dito
sem fala.

II

A natureza
do silêncio: a
palavra soprada
sem o mover
do vento - é a língua
por dentro do
corpo, e o corpo
,calado, dizendo.

I

A palavra guardada
no peito,
a língua que toca
o corpo, o trocar
de saliva, o beijo
em teu seio – eis
o mais puro
momento
de silêncio.


0

...

8.4.07

Você não conhece Jesus. Eu
sei que você chora por
Ele, mata os muçulmanos por Ele, come
bife de fígado por
Ele, reza por Ele,
trepa com a puta
da tua vizinha
por Ele, acende o cigarro
por Ele, sustenta teus
filhos por Ele... Eu sei,
cara! Você é um
bom cristão. Mas você não
conhece Jesus. Você
não olhou nos olhos
dEle e disse “senhor,
salva a minha filha
de dois anos
do câncer”, nem pediu a Ele
que tocasse em tua perna amputada e te
devolvesse a vida
que tinha antes
daquele acidente na BR 101. É, cara... você
nunca pôde tocar nas mãos de Jesus e
pedir o dinheiro que
sustentará as crianças enquanto você estiver desempregado,
nem conseguiu beijar
os pés dEle e suplicar
por uma morte serena numa cama
que não fede a mijo amarelado
dos idosos. Cara!, você
nunca terá chance de encostar a cabeça
no ombro
de Jesus e chorar desconsolado
porque tua mulher fugiu
com o açougueiro e te
largou sozinho pra criar
os três filhos. O máximo
que você pode fazer é comprar uma
televisão e esperar pela bênção
da água que o padre fará via
ondas eletromagnéticas. O máximo
que dá pra fazer, meu velho, é acender
uma vela, ajoelhar em frente ao túmulo
de tua mãe querida e rezar, rezar
rezar, pedir pelo amor
de Deus que Jesus exista,
mesmo que você não consiga olhar pra ele,
mesmo que você não o beije na boca,
mesmo que não o conheça...
Só te resta rezar, meu velho,
e pedir pra que qualquer sonho desesperado e sem sentido
cure o real pus amarelado e fétido
da tua gonorréia.

6.4.07

A prova cabal de que sou macho pra caralho: bati o carro do meu pai no muro a 160Km/h só pra mostrar pros meus amigos o quanto eu era foda. O coma é uma sensação legal, cara! É como se você não sentisse, saca? Eu me sinto bem aqui onde estou. Não me refiro ao hospital - o provável hospital - onde me encontro. Tô falando disso: o universo paralelo. Aqui é muito bizarro. Ontem mesmo estava caminhando na rua e o espaço-tempo abriu: encontrei o Rodôrfo Bôbo empinando a mobilete na frente de casa - não era bem a minha casa, mas me soava familiar. O Cobra Brasileiro deu uns tiros no Rodôrfo Bôbo, porque... bem, essa deve ser a lei daqui, saca? Sei que a mobilete caiu e o Rodôrfo abriu um sorriso. "Filho da puta", foi o que ele gritou! Foi incrível: o cara era reprimido sexualmente até ontem de manhã, não falava palavrão nenhum. A coisa mais pesada que ouvi da boca dele, até ontem, foi "cocô". Aliás, cocô era toda vida dele. A única mulher que ele beijou na vida foi a Sharon Stone, e em pensamento! Sabe? Vê-lo andando de mobilete, empinando, sendo baleado, xingando meu pai... essas coisas me deixaram feliz pra caralho! Afinal, enfim a felicidade chega pras pessoas! Ele merece, cara! Rodôrfo Bobo é um cara que merece toda a alegria do mundo neste universo paralelo! Vou até chamá-lo pra tomar uma comigo qualquer dia. Aliás, foi tomando uma ontem que encontrei minha mãe no boteco. Ela tava lá chorando, esgoelando, desfalecendo... o primeiro porre a gente nunca esquece. Ela tava lá reclamando da mãe dela, que tinha morrido e nem deixou um cartão de despedida. A velha história... "mamãe se foi de repente, o coração pifou... o coraçãozinho dela não gostava de mim, senão não teria morrido... por que, porra? por que o mundo é assim? que que eu fiz pra você, mamãe?". Dessa mágoa da morte da vó eu já sabia, mas ver mamãe assim, bêbada, aos prantos, falando daquela maneira, escancarando as dores, xingando... aquilo tudo era foda pra caralho! Eu aproveitei meu íntimo momento de felicidade e falei pra ela: "Mãe, que vergonha! Você tá decadente! Olha só, falando palavrão! Isso não é bonito...". E, pro meu espanto, que ela virou e respondeu: "Vá tomar no seu cu, moleque! Você enfiou o carro no muro, tá aê em coma no hospital porque queria dar uma de macho, de gostoso, e beijou o muro, gastou um monte de gasolina... imagina quanto não vai ficar pra arrumar esse carro, seu idiota!". Foi bem aí que eu a reconheci: nem no universo paralelo ela deixaria de se preocupar com o maldito dinheiro. Era estranho, porque aqui parece que ninguém gasta com porra nenhuma. A bem da verdade, parece que tudo aqui é de graça. Porra! Será que esse é o paraíso? Dá pra tomar Uísque caro de graça! Porra, tomara que eu nunca acorde! Vou poder comer carne de avestruz e de bacalhau sem pagar 60 reais o quilo, e não terei que ouvir meu irmão gritando "CENTRO E CINCOENTA" na minha orelha. Se pá, vou comprar uma moto e cruzar o Brasil... é tão legal isso de estar no universo paralelo e conseguir viajar o Brasil. É como se as paralelas se cruzassem, saca? Pior que isso é foda... me lembra a Malu, a velha e boa professora de matemática do terceiro colegial, que disse uma vez: "na matemática do colégio vocês aprendem tudo errado... quando alguns entrarem na faculdade, vão aprender que as paralelas se cruzam...". E eu até pensei na hora "porra, que pira muito lôca! essa Malu fuma muita maconha". E ela fumava, eu sabia. Quem sabe não a encontro aqui e digo o quanto estou feliz em saber que as paralelas se cruzam, que não dá pra ficar tudo assim separado, que o caos é uma coisa legal, que eu adoro o cachorro-quente do Popey - mais conhecido como azedão, o único que você compra e ganha de brinde uma azia. Pô!, que saudade do azedão! Por onde anda o garçom do Popey? Aquele cara merecia a vida eterna. Tem gente que não devia morrer mesmo. Tem gente que devia arrancar o câncer do estômago com a mão e comê-lo no almoço com polenta e cenouras. Tem gente que deveria ter todas as facilidades do mundo servidas na mesa. Porra, tem gente que merecia esse universo paralelo no mundo real! Tem gente que merecia ser o Bon Jovi, correr pelado na rua, fumar maconha, mascar chiclete todo dia, não ter cáries, andar de carro, pular muro, tocar violão, gritar pra caralho no show do Russel Allen... Sabe... Todo mundo deveria ser o Johnny Cash... Puta que pariu! Se eu acordar, vou ser o Johnny Cash! Boa idéia, Deus! Boa idéia! Assim todos me amarão! Todos! E eu poderei ser um cavaleiro muito doidão montado num unicórnio muito lôco... Cara, como eu queria que tudo isso continuasse... Cansei de ser proletário! Mordam-se, seus burguesinhos de merda! Eu bati o carro do meu pai e enfie a vida no meu cu! Ele tá chorando! Que gayzinho! Homem não chora! Eu sim que sou macho pra caralho! Eu sou a prova cabal do canibalismo! E parem de enfiar essa agulha no meu braço, seus médicos filhos duma puta... chega desse sorinho maldito! Hm... mas que enfermeira gostosa........ saudades da cocaína...


*Che Bolívar Pinochet - o proletariado burguês sob influência de drogas
com auxílio intelectual de um carro novo, a morte de Jesus Cristo e "Keep the Faith" do Bon Jovi

4.4.07

Era ele, cara! Eu não conseguia acreditar: o velho Rudolph estava ali, na mesa de bar, tomando uma cerveja comigo! Ele e eu, de novo, juntos, conversando sobre o jornalismo literário, cervejas, mulheres... aquelas coisas que não mudam o mundo, mas o tornam mais divertido. Então foi que seus olhos verdes de gnomo me olharam, e abriu-se um sorriso enorme em que a fumaça escapava pelos dentes... o sorriso que me dizia: “cara, isso aqui é bom, né? relaxa!”. Pois é... eu me sentia relaxado. Fechava os olhos e aí o corpo parecia o de menos... havia apenas um gosto metálico na boca enquanto tomávamos o tererê... o resto eram os pensamentos... Porra, era o Rudolph, cara! Eu o olhava e pensava: “que incrível! queria ter metade da coragem que esse cara tem...”. Foi ele quem me disse “imagina que demais eu fazer a reportagem e apanhar no final, igual ao Hunter Thompsom que arranjou treta no final do Hell’s Angels?”. É nessas horas que você pensa o quanto o papai Cobra só me ensinou a não viver enquanto ele não vivia. O Cobra também é O cara! A diferença entre ele e Rudolph é que ele só sabe bater, nunca aprendeu a apanhar. Os muitos anos de polícia o tornaram assim, meio vitorioso, autoritário. Não que isso o impedisse de ser um cara boa pinta, divertido, sorridente, que ama seus filhos e compra brinquedos, ri das piadas mais idiotas, fala de pau e buceta na hora do almoço... um verdadeiro tiozão, no sentido mais poético da palavra. Quando você mora com um delegado tiozão por dezoito anos, entende que não existem maniqueísmos. Todos são bons, e todos têm consciência de que são bons. Por isso não era incoerente pensar, naquele momento, que Cobra e Rudolph juntos iam se divertir... poderiam beber juntos, falar de futebol, quem sabe trocar idéias sobre o crime da rodoviária que vai se transformar em romance? Naquele momento, eu tinha certeza: os dois seriam os melhores compadres! Talvez ele até desse de mão beijada o grande final de seu livro... por que não? Imagine a cena: Cobra e Rudolph saem no tapa depois de uma discussão qualquer.... Rudolph apanha e, com o sangue na boca, termina o seu romance sobre o assassinato da rodoviária de Ponta Grossa! Eu sei, cara! Vai ser foda! Você vai conseguir! Esse livro vai ficar do caralho! Eu vou recomendar pros meus alunos de jornalismo: “leiam o livro gonzo do Rudolph, seus putinhos!”. O mais divertido é que o próprio Rudolph disse que não sabia direito o que era esse tal de gonzo...”o Júnior uma vez até me explicou o que era... e fazia sentido! Mas agora não faz mais sentido, porque eu não lembro o que era.........”. Eu também não sabia direito o que era o tal do gonzo, mas deu pra entender que essa frase sensacional tornava o velho Rudolph mais gonzo do que ele já era! “O Júnior é o cara! Ele vai enfiar o pé na própria merda e sair andando no Mc Donald’s pra fazer o TCC”... É mesmo, cara! Eu concordo. O Júnior é das pessoas que você passa a admirar em apenas dois dias de convivência. Queria ter metade da coragem dele também... metade da coragem do Cobra... também queria ter os olhos verdes meio avermelhados de Rudolph, olhos verdes cobertos de óculos verdes.... Eram imensos óculos, rapaz... e a lente redonda, enorme, tomando mais da metade da cara... Rudolph é daqueles caras que você tem dúvida se está bêbabo ou não, mesmo sendo meio dia da segunda-feira. Ele é muito caricato, cara! Quando fecho os olhos e penso nele, o vejo como um desenho, com um chapéu na cabeça, o óculos de lente verde, o charuto na boca, o sorriso duma inocência maldosa e um copo de cerveja na mão, me dizendo: “Isso é bom, né? relaxa...”. É isso, cara! Você é foda demais! Foda! Você é gonzo pra caralho! Nunca se esqueça que eu te amo! Não é coisa desse mundo... não é passageiro... é amor pra vida inteira! Porra, cara... é até foda de admitir isso justo hoje, que é aniversário dela, mas... eu te amo mais que minha mãe, cara!

*Bon Jon Bovi – alter-ego de Richie Sambora Jr.
com auxílio intelectual de uma dor de garganta, macarrão com creme de leite e o amor entre amigos