31.3.07

Reclamava eu do penoso destino sexual que devemos enfrentar, nós - homens! -, na atual conjuntura da sociedade capitalista, individualista e de massas, essa sociedade atomizada por interesses da ala conservadora extrema católica de direita, quando foi que Rudolfh, o bom e velho gnomo mágico que me aparece nos sonhos acordados da madrugada, estalando as janelinha do MSN – dentre outros meios com que faz questão de entrar na minha vida –, esse ser nascido da relação ação-reação causada pela dita da Maria Joana, nossa amiga querida... enfim, o Rudolph, velho amigo, camarada, me disse: “eu chupei ela todinha, cara... chupei ela todinha... e a desgraçada: nem uma punheta!”. Foi o auge! O absurdo dos absurdos! Agora você sabe porque eu vivo reclamando dessas crianças que vão pra balada tecno-dançante só pra beber meia dose de martini, ficar se esfregando nos caras, beijá-los sem trocar uma palavra, e depois chegar na casa do papai pra deitar em sua cama de colcha rosa, a caminha arrumada pela mamãe, dormir agarradinha com o Rupert, o ursinho de pelúcia rosa que vive no mundinho encantado dos travesseiros, o único ser do universo capaz de ver teu par de peitinhos! Porra! Cês são traumatizadas!, é o que eu digo! Papai te bateu de cinta, mamãe não deixou você comer chocolate, o padre enfiou o dedinho no teu cu...e agora você precisa se sentir amada! Precisa se sentir especial, precisa se sentir desejada... Vadia! Você quer se sentir amada, né, vadia? Pois olhe: o amor, sua putinha da abstração, senhora da metafísica das vaginas... o amor é a maior mentira de todos os séculos! Ninguém te ama, ninguém quer te amar, e ninguém ganharia nada com isso! Você nem é bonita... é um canhãozinho tragável, a gordinha cheia de espinha na cara, de bundinha torta, o peitinho ovo frito que nem precisa de sutiã. Você até que finge bem se maquiando, comprando roupa boa, usando salto... Mas... sabe... você não é aquela coisa de dar orgulho de andar com a mão dada no shopping... só dá pro gasto mesmo! E mesmo assim, mesmo desse jeitinho, você ainda exige que te amem!? Se toca, putinha. Mamãe não troca mais sua fralda não. Os homens mentem, te chamam de “linda”, “princesa”, vêm com aquele papo de “ah, já fiquei com várias garotas, mas com você rolou algo especial”... e você no seu mundinho cor-de-rosa acha que é verdade, que os homens babam por você. A inocência é teu maior pecado, mocinha. Nós só queremos a foda, queremos te arrancar a roupa e pular por cima de você... Os meninos trocam figurinhas só pra completar o álbum; colam as novas e passam pra frente as repetidas. Sacou? Você não é especial! Sacou? Eu não te amo! É tão difícil de entender? E isso não quer dizer nada... aproveite pra dar uns agarras em quem não te ama e largue a mão de frescutrites! Aproveite pra destruir essa muralha de abstrações da tua cabeça! Se liberte! Faça um bem pra mim, pra você, pra todos! Vai, perde esse cabaço! Descabaceia! Comece a aproveitar as coisas pequenas da vida, cresça! Porque é muita incoerência... é um puta dum absurdo você vir aqui em casa, se esfregar em mim durante toda a noite, ficar bêbada pra caralho, tirar a roupa e ficar pelada na minha cama, eu te chupar todinha e você...nem uma punheta! Nem uma punheta sequer! Puta que o pariu! Vá tomar no cu! Por que cê faz isso? E agora você vai dormir, ficar aê com bunda feia virada pro alto, esperar a beldeira passar, o sol nascer, o lindo sol sorridente do teu mundinho de desenho animado, Ursinhos Carinhosos... aí você coloca a roupa, vai pra casa, deita na tua cama cheirosa, e começa a escrever no seu diário: “querido diário, hoje um menino disse que me amava... mas eu não o amava... então achei melhor cortar relações, porque posso magoá-lo... não preciso mais dele... já massageei meu ego... vou atrás de outro trouxa”. Por que, Rudolph, me diga por quê? Porque o mundo é assim, cara? Ah, Ruudolph... eu me sinto mal, cara... eu não nasci pra isso... eu tô na época errada, no país errado, na família errada... não pode ser! Porra, Rudolph, vamos encher a cara! Vamos contar piadas, beber cerveja, fumar... jogar conversa fora... Vamos deixar de lado essas mulheres, cara! Daqui em diante, a única mulher que entra na nossa vida vai se chamar Maria Joana, a boa e velha amiga Maria...

*Cobra Jr.
com auxílio intelectual indireto de Screw Jack, Maria Joana e as mulheres paulistas/paranaenses

30.3.07

Traído pela sorte

A história se fala em toda a parte. A Maria Amaral, menina moça dos vinte e poucos anos, marcou casório com o Betão, aquele que o pai e a mãe morreram, moço pobre que mora sozinho na cidadezinha do interior, o mesmo que quando adolescente deu pra se engraçar com a mãe do Judas Andrade. Até foi bem por isso que os dois melhores amigos se pegaram na briga feia, em meio à rua, dando escândalo na vizinhança, aos berros de “traidor! traidor!” – é desse dia a cicatriz na testa, o cortezinho marcado entre os olhos de Betão. Há que a mãe do Judas é daquelas viúvas atraentes, a mulher vivida na extrema necessidade, que disseram até as más línguas que foi tirada de bordel de luxo pelo marido rico, tudo às moitas. E foi num dia qualquer aí, quando o Judas tinha viajado sem nem avisar ninguém, que o Betão foi na casa do amigo bater palma: - “Bom dia, tia. Vim ver o Judas” - “É, mas o Judas não tá não. Viajou com um tio da fazenda, volta hoje mesmo. Achegue-se, você espera ele aqui em casa, toma um café comigo”. E o resto da história não é difícil se imaginar... foi bem que os dois rolaram na cama, que o Betão não resistiu à cruzada de perna da mulher, bem essa coisa. Disseram por aí que o Judas só descobriu porque o Betão não agüentou o fardo da culpa, e ele mesmo, numa atitude da muito macha, foi contar o ocorrido acidente, com intento da verdade perdoá-lo. Muito nobre do homem, levar tua mãe pra cama e te contar olhando nos olhos, na cara dura. Mas o Judas não entendia de nobrezas – a bem da verdade, nem queria entender –, e deu no que deu, na porradaria. Daí ficaram inimigos bravejados, até hoje, mesmo assim, sete anos depois do ocorrido. A mãe nega o até a morte, e o Judas, enquanto vivo, nela finge que acredita. E assim até deveria ser o fim da história, mas nem não é. Pois essa tal de Maria Amaral, que agora o Betão vai ser esposo, não é nada-mais nada-menos que a prima do Judas, filha da irmã de sua mãe. Bem por isso que o dito é registrado em cartório com sobrenome Amaral de Andrade. A Maria é menina boa, bonita, sempre de vestido claro, o cabelo trançado, olhos pra baixo... quietinha, nem uma palavra se não perguntarem. A santinha, daquelas mulher-de-filhos, das boas pra se casar. Mas o pai, Seo Juca Amaral, esse é casca dura, senhor de terras, fazendeiro bruto, daqueles que andam com a arma à mostra na cintura. A filha é sua boneca de louça, a única coisa boa que sobrou na vida do velho depois que enviuvou. A menina guardada a sete chaves, à boa honra. E isso tudo era coisa que atraía o Betão, homem nobre, homem bom, que queria casar com a moça, fazer família, botar criança no mundo. Assim, já com seus trinta e dois nas costas, quinze só de trabalho, já era tempo de tocar a vida, virar homem por completo. Não que gostasse tanto de Maria Amaral, que caísse de amores, a paixão derradeira, mas menina melhor não ia achar mesmo, e tem ainda as conveniências de casar com moça rica, de fino sobrenome. E foi que me contaram: Betão bateu na casa do Seo Amaral com as boas intenções, num domingo dia de família, na hora depois do almoço. Foi pra pedir a mão da moça nos formalmente, com anel de ouro e tudo mais. E agora a parte que menos se explica na razão: o pai, velho ranzinza, machão temido nas redondezas, aceitou o pedido do garoto Betão. Marcaram o noivado como os conformes, mas foi posto os porém: que durante o namoro, no meio tempo entre hoje e o casório, Betão não encostasse um dedo sequer na moça, não se encontrasse com a filha por nada nesse mundo. Estranho pedido, explicado assim por Seo Amaral: - “Minha falecida - Deus a tenha - sonhou em casar a menina pura, de vestido branco justificado. Não que desconfie de tua palavra, garoto, mas um pai prevenido é um pai seguro”. E assim ficou o combinado, que só na lua de mel ele fosse tocar a moça, e o primeiro beijo fosse só em cima do altar, depois que o padre autorizasse. E também assim foi o cumprido. Chegou o dia do casamento na fazenda do velho Amaral, onde a festa seria na casa grande e o sacramento na capelinha enfeitada de flores – todas brancas, ornando com a pureza da noiva. Os convidados estavam lá, todos da família da noiva, sentados nos bancos da igrejinha, vestidos de luxo, cochichando sobre as excentricidades do casal, os desconformes, a cara feia de Betão, aquela horrenda cicatriz na testa, entre os olhos. Não... não merecia Maria Amaral, moça de família rica, bonita como uma boneca, criada nos finos tratos da fazenda, casar com esse pobretão da cidade, moço sem eira nem beira. Ninguém não sabia algo desse rapaz, tal de Betão, homem sem história, filho-de-quem?, garoto qualquer. Judiação da Maria Amaral... um triste fim pra uma moça tão boa. Mas não adianta penar, se meter na vida dos outros. Deus sabe o que faz: o que há de haver haverá. Pois certo que a cerimônia começou com a marcha nupcial, e o noivo plantado no altar, esperando a noiva vir a seu encontro de véu e grinalda, carregada pelas mãos do pai, que por certo a dava com a dor no peito, já com a saudade martelando o coração. Pois já foi dito, corria o boato na cidade, que era estranha a atitude do velho Amaral, entregar a filha estimada assim, de qualquer maneira, a qualquer pé-rapado. Mas era fato concreto: estavam ali todos de prova: o noivo era aquele, a noiva, aquela, e o pai era o Amaral, que levava a moça pro sagrado sacramento, assim como a sua esposa sonhara. E foi que a moça chegou ao altar, lado a lado do futuro esposo, a fim de que a cerimônia prosseguisse como bem devia. O padre começou a ladainha, redizendo a vontade de Deus impressa na bíblia, que o homem devia cuidar de sua mulher, e que sua mulher deveria cuidar da casa e dos filhos, e uns cuidarem aos outros, e que a família devia ser um ninho de amor, que eram grandes as responsabilidades. E isso empolgava o jovem Betão, que ouvia aquilo como o futuro feliz escrito por Deus nas linhas tortas. E ao seguir dos ritos houve que o Padre perguntou: - “Senhor Gilberto de Jesus, é de livre e espontânea vontade que se aceita casar com a senhorita Maria Amaral”. E foi que Betão, ao ouvir seu sobrenome, o de-pobre verdadeiro, encheu o peito e respondeu o convicto “sim”. Assim também o padre perguntou à moça: - “Senhorita Maria Amaral, é de livre e espontânea vontade que se aceita casar com o senhor Gilberto de Jesus”. E veio o espanto e a emoção de Betão ao ouvir pela primeira vez a voz da menina com quem ia se casar dizendo um doce e tímido “sim”. Ao que tudo estaria terminado, era só o padre confirmar o matrimônio pra que os comes e bebes fossem servidos, e as danças durassem toda a madrugada, e a felicidade reinasse como nos contos de fadas. Mas não era bem essa a hora, porque a santa igreja é prevenida em sua justiça e manda o sacerdote perguntar “se alguém tem algum motivo para impedir esse casamento, que fale agora ou cale-se para sempre”. E assim foi perguntado. E o silêncio durou cinco segundos: cinco segundos de tensão no peito de Betão, que não via a hora de tudo se acabar pra que fosse embora à casa nova, à vida nova, felicidade. Mas eis que corta o silencio o grito de uma voz dura, meio rouca, bradando o convicto e certo “pois eu digo!”. Foi que entre os bancos da capela se levantou, devagarmente, ele, ele mesmo, o velho amigo, o das antigas, o Judas! Como é que não havia pensado antes naquilo, o Betão? Pois era claro que o primo viria ao casório e, inimigo, havia de aprontar alguma. E agora o esperado era que tirassem o Judas dali, levassem-no embora da igreja, que impedissem maior escândalo. Mas as verdades se justificaram no final da história: o sonho esvaiu-se. Houve que toda a família, os convidados, ficaram todos parados, ao não se mover. O pai, o Seo Juca Amaral, o mesmo que cedeu a mão de bom grado, que pediu pra que não se tocasse em sua filha por questão de honra, esse mesmo homem arrancou o revólver da cintura e colou bem na fuça do pobre Betão. E foi que o velho disse: “cabra que leva a mãe do amigo pra cama, que faz safadeza debaixo de teto de família honrada, que engana e corrompe o nome da boa família, que trai confiança de homens justos... esse cabra merece a morte traída, a morte à margem da felicidade”. Agora tudo se encaixava: era a grande armadilha, o dia da vingança, o fim da história. E assim foi que o velho Amaral entregou a arma ao Judas, e disse: “que você mesmo faça as honras, que faça o que tem que ser feito, meu sobrinho!”. E a última coisa que Betão viu antes do chumbo quente perfurar-lhe a cicatriz da testa, antes da bala entrar no meio dos córneos, explodindo os miolos pelo chão da igreja... a última coisa que ele viu foi um sorriso: o sorriso satisfeito do antigo amigo, o Judas Amaral, que logo depois de findado o serviço, juntou-se aos convidados para saborear o bolo e os docinhos da grande festa que havia de cortar a madrugada.

25.3.07

é verdade,
a vida não faz sentido
quem o faz somos nós
,seres de carne e osso;

e é por isso que há
gozo e vontade
de dormir mais
um pouco
quando
toca o
desperta-
dor a
corda.

23.3.07

Fábula

Passava o inseto pela rua
quando viu aquele ínfimo bicho esquisito.

Antes de pensar
,como todo bom animal,
pisou sem remorso,
deixando as patinhas do homem agonizando.

14.3.07

Outubro 2005

Na tevê a noite se reparte
em fofocas, novelas, enlatados
americanos
e no espelho só um embaço. São
onze horas da mais escura noite, em outubro.

Tenho 18 anos e uma gastrite. Odeio
a vida
que é cheia de enfarpos, de dores
e espinhos, a vida,
esse direito de morrer a qualquer
dia; de ser livre pra ser triste;
de vender-se
e ser vendido; de ter
pau pra não gozar.
Esse direito de todos,
que nenhum ato
institucional ou constitucional
precisa cassar ou legar.

Mas quantos amigos sorrindo!
quantos em cárceres invisíveis
onde a noite fede a indústria e progresso.

Estou aqui. O espelho
não reflete a marca deste rosto,
se simplesmente passo por ele
ou se não grito se me moldam.

12.3.07

A cinza de um momento de silêncio

I
O silêncio
tanto nos corta
quanto costura -
é nosso
câncer sem
cura.

II
Duas
pessoas
em pé:
retas
paralelas
da estranha
arquitetura
humana.

III
Dois pares de olhos
com medo – o barulho
das ruas cobre
o sussurro,
a brisa
e o vento.

IV
O ônibus em
movimento
rasga o tempo
da cidade:
vinte minutos
de distância
entre dois corpos
estáticos.

V
A chama
queima
o corpo –
é o passado: o futuro é
a cinza –
fogo
abafado.

VI
A distância lado a lado,
cinza de um circo
de silêncio, poeira
do desejo - essa
vontade desesperada
de que nada comece
de novo, só pra
que nada termine
mais tarde.

9.3.07

conto de terror

ele andava pela rua. era meia noite. olhou pra trás como se um fantasma o seguisse. distraído, bateu com a cabeça num galho de árvore, caiu no chão e morreu. seu corpo ficou lá por muitos dias. moscas e baratas alimentavam-se do sangue seco sobre a calçada. só tiraram-no de lá depois que o mal cheiro passou a incomodar um coveiro, que morava ali perto, vizinho ao cemitério. as moscas e as baratas passaram fome, mas o coveiro não se importou com elas: o mau cheiro era deveras insuportável.